Madeira explorada ilegalmente há sete anos por chineses apodrece num estaleiro em Manica

Dados do Ministério da Terra e Ambiente (MTA) indicam que, anualmente, Moçambique perde mais de 200 milhões de dólares norte-americanos, devido à exploração ilegal de madeira. Um levantamento feito pela “Integrity”, na página de registo de dados do Banco Mundial (BM), revela que, nos últimos 10 anos, Moçambique perdeu mais de 790 milhões de dólares no comércio de madeira com a China, o principal destino da madeira explorada lícita e ilicitamente no País.

Maio 17, 2023 - 22:56
Maio 17, 2023 - 23:00
 0
Madeira explorada ilegalmente há sete anos por chineses apodrece num estaleiro em Manica
Madeira perde qualidade em Manica.

Segundo o trabalho investigativo realizado pela “Integrity”, em Manica, há sete anos, um grupo de empresários chineses investiu na delapidação e furtivagem de recursos florestais, com enfoque para espécies valiosas de madeira como chacate, que, estranhamente, viria a ser abandonada num estaleiro e, em seguida, decompor-se, perante diversas intempéries que tem assolado àquela região do País.

 

 A nossa investigação constatou que o estaleiro se localiza no cruzamento com a Província de Tete, no Distrito de Vandúzi, há 40 km da Cidade de Chimoio, capital provincial de Manica. Segundo Jaime Muraze, segurança de um estabelecimento comercial próximo, o referido estaleiro se encontra fechado há algum tempo, tudo porque, repentinamente, os proprietários desapareceram e deixaram os valiosos recursos florestais que, conforme aferimos das autoridades locais, foram explorados sem autorização.

 

Ninguém sabe para onde foram. O que a gente sabe é que o estaleiro era explorado por chineses, e foram eles quem construíram esta vedação, mas já se passam anos que ninguém mais aparece por aqui. Assim, a madeira está a apodrecer, enquanto se poderia vender a uma carpintaria ou doar à comunidade, para fabricar carteiras, uma vez que os nossos filhos sentam no chão para estudar”, desabafou Jaime Muraze.

 

Além disso, dados colhidos pela “Integrity” indicam que grande parte da madeira, que hoje perdeu qualidade no referido estaleiro, foi explorada ilegalmente em povoados como Mambone, Mucune e Chipopopo, no Distrito de Machaze, onde residentes locais nos revelaram que os diferentes grupos de empresários aparecem, fazem promessas, entretanto, depois de explorarem os recursos florestais, desaparecem sem nunca canalizar os 20% estipulados pela Lei n.º 10/99, de 07 de Julho, Lei de Florestas e Fauna, e o Diploma Ministerial de 2017, em vigor em Moçambique.

 

Tem sido sempre assim. Ele vêm explorar chacate por aqui, mas as comunidades não usufruem dos seus benefícios. Nos anos passados, vieram com o Governo, prometeram construir uma clínica, e até lançarem a primeira pedra; mas, até hoje, não tem pedras e nem blocos no local, ou seja, nem água vem, nem água vai”, denunciou Joaquim Manave, residente em Machaze.

 

Entretanto, segundo informações facultadas pela Direcção da Agência Nacional de Controlo de Qualidade Ambiental (AQUA) na Província de Manica, o estaleiro fechou porque os operadores do referido grupo não tinham autorização das entidades superiores do sector. Na altura, revelou a fonte que pediu para não ser citada, o Governo chegou a fazer leilão da madeira, tendo alguns grupos empresariais adquirido certa parte e deixado a outra, que neste momento está a perder qualidade.

Na interacção tida com a nossa reportagem, a nossa fonte revelou que “muitas vezes, os fiscais envolvem-se nos esquemas de furtivagem aliciados pelos exploradores ilegais. Mas, nos últimos anos, a AQUA tem tentado controlar, apesar de se deparar com uma fraca fiscalização, aliada à exiguidade de recursos humanos e materiais, o que leva as autoridades de fiscalização e policiais a enveredarem pela exploração ilegal de recursos faunísticos e florestais”.

 

No entanto, mesmo com a existência de empresas como o Complexo Industrial do Planalto (CIPLA), supostamente associadas à família “real moçambicana” que trabalha no processamento de recursos florestais madeireiros, onde diferentes espécies são transformadas em carteiras e outros objectos valiosos feitos de madeira, as espécies exploradas ilegalmente, que se encontram num estaleiro em Vandúzi, apodreceram sem que nenhuma entidade governamental ou empresarial fizesse o seu devido uso.

 

Sobre a exploração ilegal de madeira em Moçambique, o Presidente da Associação Moçambicana dos Madeireiros, Sudecar Novela, afirmou, numa entrevista concedida ao Diário Económico, que a exploração ilegal da madeira em Moçambique tem ligações políticas, assim como há Fiscais que não colaboram para que haja uma actividade normal, o que coloca os madeireiros em diferentes desafios, devido aos esquemas de corrupção que se assiste neste sector.

 

Na entrevista, Sudecar revelou que a lei continua a ser pontapeada por quem deveria exigir o seu cumprimento. Todavia, até ao momento, a associação dirigida por Sudecar Novela ainda não tem membros em Manica e Tete, onde, nos últimos anos, os furtivos intensificam as suas actividades, contribuindo para a destruição do ecossistema florestal moçambicano composto por mais de 118 espécies florestais para a produção de madeira, das quais algumas estão seriamente ameaçadas de extinção, devido à exploração desenfreada.

 

Segundo um estudo realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS), que avaliou o desflorestamento em Moçambique, de 2003–2016, o País tinha uma área florestal total de 40 milhões de hectares, porém, entre 1990–2002, perdeu, em média, cerca de 220.000 hectares por ano. De 2003 a 2013, Moçambique perdia, anualmente, 267.029 hectares, e as Províncias com mais incidências foram Nampula, Zambézia e Manica.

 

Actualmente, dados do MTA indicam que Moçambique tem cerca de 32 milhões de hectares de florestas, dos quais 2/3 são de florestas do miombo, de que dependem milhões de moçambicanos. Apesar de as licenças funcionarem de 01 de Abril a 31 de Dezembro de cada ano, até Março, a “Integrity” deparou-se com camiões transportando toros de madeira, em Manica e Tete, respectivamente, onde a nossa reportagem trabalhou.

 

Por conseguinte, segundo um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2022, os recursos florestais e a fauna bravia, em Moçambique, estão ameaçados, principalmente, pela ocorrência de desmatamento, incêndios florestais, exploração desregrada e ilegal da madeira, caça furtiva e produção descontrolada de lenha e do carvão vegetal.

 

Ademais, dados da Direcção Nacional de Florestas (DINAF) indicam que, no Sector Florestal, a exploração insustentável recorrente dos recursos florestais pode levar ao desaparecimento de cerca de 2.8 milhões de hectares de floresta, até 2035, agravando a situação de pobreza e vulnerabilidade de milhares de pessoas que encontram na floresta o seu meio de subsistência. (Omardine Omar)