Al Mansour Holding promete 20 mil milhões a Moçambique num pacote de 103 mil milhões em África: investimento real ou encenação diplomática?

A promessa de 103 mil milhões de dólares feita pela desconhecida Al Mansour Holding a seis países africanos, incluindo 20 mil milhões para Moçambique, está a ser encarada com cepticismo, dada a ausência de contratos vinculativos, cronogramas, fontes de financiamento e histórico comprovado da empresa. Apesar da recepção entusiástica por parte de governos anfitriões, as promessas permanecem no plano das intenções e levantam sérias dúvidas quanto à transparência, à viabilidade e aos reais interesses por detrás desta ofensiva diplomático-económica liderada por um membro pouco conhecido da família real do Catar.

Setembro 4, 2025 - 15:59
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Al Mansour Holding promete 20 mil milhões a Moçambique num pacote de 103 mil milhões em África: investimento real ou encenação diplomática?

Sem escrutínio público, contratos divulgados, fonte de capital conhecida, calendário de desembolsos, cláusulas de conteúdo local e ambiental, muito menos o fecho financeiro exigido para projectos de grande escala, o conglomerado do Catar Al Mansour Holding chegou a Moçambique em Agosto com uma promessa aliciante de 20 mil milhões de dólares norte-americanos. O montante equivale a quase todo o Produto Interno Bruto anual do país e, em vez de entusiasmo genuíno, está a suscitar dúvidas generalizadas quanto à exequibilidade do suposto investimento.

Para se ter uma ideia da dimensão da promessa, os 20 mil milhões de dólares são exactamente o mesmo valor do projecto Mozambique LNG, liderado pela TotalEnergies na bacia do Rovuma, cujo processo de maturação levou vários anos até à decisão final de investimento em 2020 e que até hoje ainda não conheceu arranque efectivo, por força maior invocada na sequência da insegurança no norte do país.

Antes de chegar a Maputo, os mesmos fundos do Catar foram anunciados em países como a República Democrática do Congo, com 21 mil milhões de dólares, a Zâmbia e o Zimbabué com 19 mil milhões cada, o Botsuana com 12 mil milhões e o Burundi com promessas de igual valor. A tournée do Sheikh Mansour bin Jabor bin Jassim Al Thani pelo continente africano foi marcada por forte mediatismo, contrastando com a falta de detalhes sobre a origem dos fundos ou os termos dos acordos.

Ao todo, os compromissos públicos da holding em seis países africanos somam 103 mil milhões de dólares, embora a empresa não tenha qualquer histórico de investimentos em larga escala. O anúncio feito no Burundi foi formalizado numa reunião a 16 de Agosto de 2025, no Palácio Kiriri, em Bujumbura, entre o Presidente Évariste Ndayishimiye e o Sheikh Mansour Al Thani, apresentado como primo do Emir do Catar, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani.

Apesar do entusiasmo visível entre os governos anfitriões, as evidências de que tais promessas se transformem em investimentos reais continuam a ser escassas. Na maior parte dos países, os compromissos assumem a forma de memorandos de entendimento, cartas de intenções ou acordos de cooperação estratégica sem força legal vinculativa.

Em Moçambique, onde o anúncio foi recebido com grande destaque como reflexo de confiança externa, o entendimento de 20 mil milhões de dólares continua envolto em incertezas. O interesse declarado foca-se nos sectores da energia, agricultura e infraestruturas, mas até ao momento não foram apresentados ao público quaisquer projectos específicos, muito menos termos financeiros, cronograma de desembolso ou garantias de boa governação.

A ausência de informações concretas sobre a Al Mansour Holding levanta legítimas preocupações. A empresa é desconhecida nos principais fóruns económicos, não possui website oficial e está ausente nos circuitos de investimento internacional. O seu líder, Sheikh Mansour Al Thani, de 36 anos, é licenciado em Direito, não ocupa cargos oficiais no governo do Catar e é conhecido por pequenas iniciativas empresariais sem qualquer historial em projectos de grande escala.

De acordo com uma pesquisa feita pela TORRE.News, o único investimento comprovado do grupo até à data é a aquisição de 19,9 por cento da empresa australiana Invictus Energy (ASX: IVZ), num negócio avaliado em 37,8 milhões de dólares.

Sobre as dúvidas em torno do investimento catariano em Moçambique, o professor universitário e sociólogo Elísio Macamo, uma das vozes mais respeitadas na análise política africana, alerta para os riscos de promessas vagas em contextos frágeis. Segundo Macamo, o anúncio da Al Mansour Holding é perigoso por não esclarecer se os fundos são investimentos directos ou novos empréstimos, o que pode comprometer a sustentabilidade financeira do país.

O académico acusa o actual governo moçambicano de falta de transparência e de cultura de prestação de contas nos seus actos, alertando para o risco de se desvirtuar o conceito de “fazer diferente para alcançar resultados diferentes”. Macamo lembra que a história recente de Moçambique está repleta de promessas milionárias que se transformaram em encargos públicos, dívidas ocultas e escândalos.

“A nossa história recente recomenda cautelas. Não é a primeira vez que promessas milionárias acabam por se diluir em atrasos, incumprimentos, cadeias e encargos para o Estado”, afirmou, apelando à necessidade de esclarecimento público sobre os fundos anunciados e os seus termos.

Enquanto isso, permanece a incógnita sobre se o interesse do Catar em África é genuinamente estratégico ou se trata apenas de uma manobra de relações-públicas para reforçar a sua influência em países com fraca capacidade institucional e escassa transparência. Para já, o balanço parece pender mais para a miragem do que para o milagre.