Subchatas, “nhongas” e fuga de divisas: o mercado de aviação está capturado
Empresas públicas e grandes companhias privadas estão a recorrer a jactos privados para suprir o colapso da LAM. Um voo charter privado custa, em média, 8.000 dólares norte-americanos por hora. Isso significa que uma viagem doméstica de ida e volta entre Maputo e Pemba, com duração aproximada de 6 horas, pode custar 48.000 dólares, o equivalente a mais de 3 milhões de meticais, sem contar com os custos adicionais da deslocação das aeronaves a partir de países como Malta. O sector aéreo moçambicano tornou-se num terreno fértil para “nhongas” milionárias, negócios paralelos e fuga de divisas que passam ao lado do escrutínio público.

Este cenário é alimentado por uma crise prolongada na companhia aérea de bandeira, incapaz de oferecer um serviço fiável. Sempre que a LAM cancela voos ou enfrenta avarias nas poucas aeronaves operacionais, instituições como o Banco de Moçambique e empresas como a TotalEnergies recorrem a operadores privados como a Sonante Aviation ou a Everett Aviation Mozambique para garantir a mobilidade dos seus quadros e executivos.
O Banco Central é apontado como cliente frequente deste serviço. Já a TotalEnergies deixou há muito de contar com a LAM e assegura as suas operações através de fretamentos dedicados.
Embora algumas destas companhias estejam registadas legalmente no país e contribuam fiscalmente, a maioria dos voos é operada por empresas estrangeiras, sobretudo da África do Sul e de Malta. A preferência por estas operadoras é atribuída a acordos pessoais, comissões informais e mecanismos pouco transparentes que escapam à regulamentação efectiva do sector.
Um inspector sénior de aviação civil, que falou à TORRE.News sob anonimato, denunciou a proliferação de um esquema conhecido como subchata. Neste modelo, empresas moçambicanas que não possuem frota nem licença operacional emprestam os seus nomes para legitimar voos de operadores estrangeiros, actuando como fachada legal para a circulação interna de aeronaves não autorizadas.
Segundo o especialista, o subchata permite que jactos provenientes do exterior operem no espaço aéreo doméstico como se fossem companhias nacionais. A empresa moçambicana solicita oficialmente o voo, mas, na prática, a operação é totalmente conduzida por estrangeiros, mediante o pagamento de uma comissão de intermediação vulgarmente conhecida como nhonga.
Estas práticas minam a possibilidade de construção de um mercado de aviação civil robusto e competitivo. Ao invés de se investir no reforço da LAM ou de se criar incentivos para o crescimento de operadores moçambicanos, o sector tornou-se refém de interesses instalados, protegidos por redes de influência e favorecimentos políticos.
Com a aviação transformada num negócio de elite, as tarifas astronómicas afastam qualquer possibilidade de democratização do acesso ao transporte aéreo. Cada viagem privada que custa noventa mil dólares representa não só uma fuga directa de divisas, mas também uma oportunidade perdida para o país desenvolver a sua indústria aeronáutica e reduzir a dependência externa.
O governo tem anunciado, de forma recorrente, a entrada de novas aeronaves para a LAM e a reestruturação do sector. Recentemente, o ministro dos Transportes e Comunicações, João Matlombe, voltou a garantir que até ao fim do ano haverá melhorias substanciais. No entanto, o discurso político tem servido mais para ganhar tempo do que para apresentar soluções estruturais e duradouras.
Com um sector aéreo dominado por contratos opacos, favores políticos e dependência crónica de operadoras estrangeiras, Moçambique enfrenta um dos maiores desafios da sua história recente no que diz respeito à soberania sobre os seus céus. A factura continua a subir, sem se vislumbrar, para já, um plano de voo rumo à recuperação.