LAM sem alma moçambicana: tripulação nacional recebe salários para ficarem em casa enquanto estrangeiros pilotam, servem e fazem a manutenção de todos os voos
A crise nas Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) entra num capítulo alarmante e contraditório: a companhia opera hoje exclusivamente com aeronaves alugadas, tripuladas e mantidas por estrangeiros, enquanto os seus pilotos, engenheiros e assistentes de bordo moçambicanos recebem salários para permanecerem em casa sem exercer funções. Apesar das promessas de reestruturação e das intervenções de alto nível, a transportadora nacional afunda-se num modelo de gestão que exclui os seus próprios quadros, mina a soberania operacional e compromete a viabilidade económica da empresa.

Segundo uma fonte interna da empresa, que falou à TORRE.News sob anonimato, a LAM tem ao serviço apenas três aviões, todos provenientes de contratos de aluguer integral. Este modelo de negócio deixa de fora os pilotos, engenheiros, mecânicos e pessoal de cabine moçambicanos, que permanecem em casa, recebendo salários mesmo sem exercer funções.
“Estão a pagar salários ao pessoal técnico altamente qualificado, pilotos, mecânicos e hospedeiros que estão em casa sem voar. A LAM está a operar apenas com aviões de terceiros, com tudo incluído, enquanto os profissionais da empresa ficam de lado”, lamentou a fonte.
O modelo adoptado, considerado de alto risco financeiro, impede que a empresa tenha um controlo directo sobre os aspectos operacionais e de segurança dos voos. “A LAM apenas cobre os custos de combustível e taxas aeroportuárias, muitas vezes pagos a crédito. O resto, desde a tripulação estrangeira até à manutenção é tratado pelos arrendatários”, explicou a fonte.
A mesma fonte revelou que os lucros da LAM neste modelo são “mínimos” e que os pilotos nacionais não têm certificações actualizadas para operar as aeronaves alugadas, o que agrava ainda mais a dependência externa. Internamente, cresce a preocupação sobre a sustentabilidade deste modelo, que afasta os profissionais moçambicanos e compromete a autonomia e a supervisão técnica da companhia.
Fontes internas da empresa revelam que actualmente a única coisa que voa é o nome da LAM, estampado nas aeronaves operadas por terceiros, numa prática que garante à companhia apenas ganhos simbólicos comparáveis a "royalties" ou descrito popularmente como “yonga”.
De acordo com a mesma fonte, os pilotos da LAM estão a acumular tempo inactivo, sem qualquer hora de voo, o que compromete seriamente as suas carreiras e está a gerar crescente insatisfação no seio dos trabalhadores técnicos da companhia.
Entre as preocupações mais recentes está o risco de ruptura com a CemAir, empresa sul-africana que opera as aeronaves CRJ900 usadas pela LAM. Há cerca de dois meses, a parceira sul-africana terá ameaçado cessar a colaboração por falta de pagamento, exigindo que os compromissos financeiros sejam cumpridos dentro dos prazos acordados.
A fragilidade operacional da LAM ficou ainda mais evidente esta semana, com o cancelamento de voos em destinos como Beira, Nacala, Chimoio, Quelimane e Pemba, sem qualquer aviso prévio aos passageiros. O silêncio da companhia gerou protestos nos principais terminais domésticos, onde os passageiros ficaram sem informação sobre reagendamentos ou alternativas de voos.
Face à situação, a fonte aponta responsabilidades directas ao Ministro dos Transportes e Comunicações, João Matlombe, por alegadamente bloquear a entrada de novos operadores no mercado doméstico e entre os casos citados destaca-se a suposta obstrução ao processo da Solenta Aviation, que pretende operar com a marca FastJet no mercado doméstico regular.
O bloqueio ao novo operador visa proteger a empresa bandeira LAM e os interesses dos accionistas, designadamente Hidroeléctrica de Cahora Bassa HCB, Caminhos de Ferro de Moçambique CFM e a Emose, atropelando a legislação da aviação civil moçambicana que liberaliza as rotas internas.
“O ministro está a proteger a LAM e os interesses dos accionistas ignorando a legislação que liberaliza as rotas internas”, acusou.
A polémica adensa-se com a recente decisão do governo e dos accionistas de lançar um concurso público para o aluguer de quatro novas aeronaves, ao mesmo tempo que se falava da compra de aviões próprios para tornar a LAM soberana e mais acutilante nas suas operações.
“A LAM está baralhada e o ministro Matlombe também. Ele não conhece o sector e não tem soluções claras”, concluiu a fonte.
O futuro da companhia de bandeira continua incerto. A aposta num modelo de gestão altamente dependente de terceiros, aliado à exclusão dos seus próprios quadros técnicos e à resistência à entrada de novos operadores, coloca em causa a viabilidade da LAM num mercado cada vez mais exigente e competitivo.