Banca moçambicana capturada: estrangeiros no comando, moçambicanos à margem
O sistema bancário moçambicano está a ser progressivamente capturado por interesses estrangeiros, num cenário que compromete gravemente a soberania económica, enfraquece a regulação nacional e marginaliza sistematicamente os quadros nacionais. Com direcções dominadas quase exclusivamente por expatriados, principalmente oriundos de Portugal, os principais bancos comerciais que operam em Moçambique transformaram-se em instrumentos de uma nova ordem financeira que reproduz lógicas de exclusão e exploração típicas de uma estrutura neocolonial.

Instituições como o Millennium BIM, BCI, FNB, Absa e Standard Bank são hoje controladas por grupos financeiros estrangeiros que, sob o pretexto da protecção do capital investido, vedam aos moçambicanos o acesso a cargos de decisão. Esta prática foi confirmada pelo Sindicato Nacional dos Empregados Bancários (SNEB), que denuncia que, nos bancos com relevância sistémica, os conselhos executivos estão integralmente ocupados por estrangeiros, numa clara violação dos princípios de inclusão e justiça laboral.
Embora o investimento estrangeiro possa ser benéfico para o desenvolvimento do sector, o seu predomínio absoluto tem revelado efeitos profundamente perversos. Dados recolhidos pela TORRE.News indicam que mais de 70 por cento dos recursos destinados a salários e regalias são canalizados para expatriados, que beneficiam de habitação paga, subsídios de transporte, alimentação, seguros e viagens regulares, criando um desequilíbrio estrutural face aos trabalhadores nacionais, cujo salário mínimo legal no sector bancário está fixado em apenas 17.800 meticais. Tal disparidade é ainda mais chocante quando se compara com os salários mínimos nos países de origem desses expatriados, como Portugal, onde o valor ultrapassa os 50 mil meticais mensais.
Esta assimetria é agravada por um ambiente de trabalho descrito como tóxico, dominado pelo assédio moral, pela humilhação sistemática e pela promoção do servilismo como critério de ascensão profissional. Os trabalhadores nacionais, segundo testemunhos recolhidos, são frequentemente tratados com desdém, ignorados nos processos de decisão e instrumentalizados numa estrutura hierárquica profundamente desigual.
O Banco de Moçambique, enquanto entidade reguladora, tem tentado impor algum controlo através da aplicação de multas às instituições que violam as normas prudenciais, cambiais e de protecção do consumidor. Em 2023, apenas o BCI foi sancionado em cerca de 40 milhões de meticais por irregularidades cometidas por membros da sua administração, na maioria estrangeiros. O total de multas aplicadas a bancos como o Millennium BIM, FNB e Letsego ultrapassou os 130 milhões de meticais. Em 2024, novas sanções recaíram sobre nove instituições, incluindo Moza Banco, Absa e Société Générale, por práticas relacionadas com branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e outras infracções graves.
Contudo, as penalizações não têm produzido mudanças estruturais. Práticas como a contratação de expatriados para cargos de topo, sem concurso público, continuam a ser recorrentes. Segundo o SNEB, a Lei do Trabalho moçambicana estabelece quotas apenas para funções técnicas, ignorando os cargos de direcção. Esta omissão legal tem sido explorada por bancos que alegam, sem provas, a inexistência de quadros moçambicanos qualificados para funções executivas.
Para contornar a pressão pública e legal, muitos expatriados recorrem à naturalização acelerada, adquirindo a nacionalidade moçambicana e, em seguida, sendo formalmente rebaixados para cargos inferiores, enquanto mantêm intactos os seus privilégios. Esta manobra abre caminho para a contratação de novos estrangeiros, perpetuando o ciclo de exclusão dos moçambicanos.
Segundo Mauro Zefanias, jurista do SNEB e especialista em ilícitos laborais, a situação transcende a simples presença de estrangeiros. “Há um elemento racial evidente neste processo. Em Moçambique não existe um equilíbrio racial ou étnico na composição das direcções bancárias. A África do Sul enfrentou esta realidade com políticas afirmativas como o Black Economic Empowerment, que impuseram quotas nos cargos de liderança. Em Moçambique, continuamos a ignorar esta dimensão fundamental da soberania institucional.”
A crise de representação interna no sector bancário não se limita à exclusão dos nacionais nos cargos de chefia. Práticas como a terceirização da mão de obra, vulgarmente designada por outsourcing, têm proliferado. Trabalhadores contratados por empresas prestadoras de serviços desempenham as mesmas funções que os quadros internos, mas com salários mais baixos e sem acesso aos mesmos direitos e benefícios. Ao mesmo tempo, funcionários mais antigos são sistematicamente empurrados para rescisões contratuais forçadas, sob ameaça de despedimento, e substituídos por jovens licenciados com remunerações reduzidas.
Esta realidade é reflexo de um sistema que se desestrutura moral e institucionalmente. O capital financeiro, ao invés de promover inclusão e desenvolvimento, tem aprofundado as desigualdades e criado uma cultura de opacidade e opressão. Os bancos que actuam em Moçambique funcionam como fortalezas estrangeiras, blindadas contra a fiscalização pública, indiferentes ao bem-estar dos seus trabalhadores e alheias ao projecto de desenvolvimento nacional.
Se nada for feito, o país arrisca-se a perder completamente o controlo do seu sistema financeiro, um sector vital para qualquer Estado soberano. O apelo à revisão legal, à imposição de quotas para cargos de chefia, à fiscalização rigorosa dos processos de recrutamento e à valorização do capital humano moçambicano não é apenas uma exigência laboral, é uma urgência nacional. O silêncio das autoridades face a esta captura institucional é, ele próprio, um acto de cumplicidade com a manutenção de um sistema bancário que já não serve o povo moçambicano.