Decifrando o perfil do candidato “ideal” para as próximas eleições presidenciais em Moçambique
Faltam menos de seis meses para as sétimas eleições presidenciais em Moçambique, um evento de crucial importância para o futuro do país. Neste pleito, será eleito o Presidente da República, figura de máxima autoridade nacional, com amplos poderes quase absolutos. Surpreendentemente, até o momento, nenhum dos três principais partidos políticos com representação na Assembleia da República revelou publicamente o seu candidato presidencial.
Este cenário deixa o país num estado de expectativa intensa, enquanto decorrem reuniões nos bastidores dos partidos para delinear o "perfil ideal" do candidato. Esta situação pode ser comparada a um cenário hipotético no mundo empresarial: imagine a Direcção da Apple anunciar em Maio que o lançamento do iPhone 15 ocorrerá em Outubro, mas só então começar a desenvolver o protótipo. É fácil prever as enormes dificuldades e o potencial desastre que tal estratégia representaria.
Um candidato político, neste contexto, deve ser encarado como um produto que, antes de ser introduzido no mercado, necessita de uma preparação minuciosa. Essa preparação abrange desde pesquisas de mercado, desenvolvimento e testes de correcção (debugs), até à realização de grupos focais para aferição de opiniões e reações. Resta a questão crucial: quanto tempo terão estes candidatos para preparar eficazmente as suas campanhas e desenvolver os seus manifestos, garantindo que todos os dados e estratégias estejam devidamente alinhados às expectativas e necessidades dos eleitores?
Paralelamente, tem-se levantado debates acerca do perfil "ideal" dos candidatos, conforme delineado pelos partidos políticos. Há quem critique este método como uma forma de excluir potenciais candidatos que poderiam ser válidos, mas que não se enquadram nos critérios estabelecidos. Embora este seja um ponto de discórdia significativo, não é o foco principal deste tópico.
É de esperar que os conclaves dos partidos políticos, ao definirem o perfil "ideal" dos seus candidatos, não se limitem a decisões tomadas exclusivamente em salas fechadas, sob a influência dos chamados "elefantes brancos". Impõe-se que realizem uma investigação de mercado abrangente, tanto a nível local (nacional) quanto global.
O mundo evoluiu, a África transformou-se e, por consequência, Moçambique também registou mudanças significativas. Os ecos das Primaveras Árabes no norte de África, os golpes de Estado no Mali, na Guiné, no Sudão, em Burkina Faso, no Níger e no Gabão, bem como as mudanças na liderança dos partidos tradicionalmente denominados "libertadores", são sinais claros de um novo paradigma.
A título de exemplo, temos o recente caso do Senegal, onde Bassirou Faye, aos 44 anos, foi eleito presidente. Popularmente conhecido como Diomaye, que significa “o honrado” na língua local, Faye simboliza a emergência de uma nova geração de governantes em África. Este fenómeno de renovação e mudança não é exclusivo do Senegal, mas reflecte uma tendência mais ampla na política africana.
Em Moçambique, a tensão pós-eleitoral nas eleições autárquicas de 2023 foi um sinal inequívoco destes novos tempos. Testemunhamos, como nunca antes, jovens nas principais cidades do país a questionarem a transparência e os resultados das eleições, tanto nas plataformas digitais como nas ruas, através do movimento "trufafa". Esta nova onda de activismo jovem é um claro indicativo de que a população mais jovem não só deseja, mas exige uma mudança palpável na governação.
Os dados não deixam margem para dúvidas: o mercado eleitoral em África, e particularmente em Moçambique, mudou drasticamente. Esta transformação deve-se, em grande medida, à disseminação da internet e ao dinamismo de uma população jovem. De acordo com o World Population Review de 2023, a idade média no continente africano é de 19 anos, sendo que em Moçambique este indicador é ainda mais jovem, situando-se nos 17 anos.
Estes jovens, desvinculados das narrativas épicas dos partidos que lutaram pela libertação do colonialismo, clamam por uma mudança significativa. São eles que, através do seu voto, têm o poder de legitimar governos, impondo um novo paradigma nas estruturas de poder tradicionais. A sua influência é cada vez mais incontornável na definição dos rumos políticos, o que exige que os partidos políticos reconsiderem as suas estratégias e se adaptem às exigências e ao ímpeto renovador desta nova geração.
Apesar de apenas cerca de 20% da população moçambicana, num universo de aproximadamente 34 milhões de habitantes, ter acesso à internet, conforme dados do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), uma observação atenta aos padrões de uso dessa tecnologia revela tendências preocupantes. De acordo com o Google Trends, as cinco pesquisas mais frequentes no país estão relacionadas a casas de apostas, especificamente ao jogo de azar Aviator.
Este fenómeno não requer extensos conhecimentos em Análise de Dados para ser interpretado: revela uma juventude que, mesmo limitada em recursos, aspira a uma vida melhor. Este desejo por ascensão económica e social, ainda que expresso através de um meio tão volátil como o jogo online, é um indicativo claro das ambições e potenciais frustrações dessa geração. Tal cenário exige uma reflexão mais profunda por parte dos líderes políticos e dos estrategistas de campanha sobre como abordar e envolver esta faixa da população, que busca, acima de tudo, oportunidades reais de melhoria de vida.
Portanto, conforme nos ensina o professor Marcelo Rebelo de Sousa em sua obra "Introdução ao Estudo do Direito", o poder político, para ser legítimo, deve ser socialmente admissível e consensual. Ele acrescenta que deve possuir legitimidade de título e de exercício. Neste contexto, o perfil ideal de um candidato às próximas eleições presidenciais em Moçambique deve ressonar com o povo, e não apenas satisfazer as expectativas de um grupo restrito de influentes reunidos em conclave.
Assim como um produto no mercado só é bem-sucedido quando atende às necessidades dos consumidores, e não quando é simplesmente agradável aos gestores da empresa, um candidato político só é verdadeiramente viável quando corresponde às expectativas e necessidades da população. Afinal, são os cidadãos que "compram o produto" ao depositar o seu voto.
Deste modo, questiona-se: qual deve ser o perfil do candidato ideal para as próximas eleições presidenciais? A resposta passa inevitavelmente por um entendimento profundo das aspirações do eleitorado, especialmente dos jovens, que buscam novas oportunidades e um futuro promissor, reflectindo uma ruptura com as práticas e narrativas do passado.