Raptos em Moçambique: O segredo oculto das "vítimas"

Moçambique pode estar a ser usado como um espaço fértil onde cidadãos de origem asiática operam crimes organizados, protagonizando raptos, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas através de chantagens e ameaças entre si.

Julho 24, 2024 - 08:30
Julho 23, 2024 - 16:45
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Raptos em Moçambique: O segredo oculto das "vítimas"

Este fenómeno, que já ganhou terreno em Moçambique, tem testado a proactividade do Governo e as estratégias da Polícia da República de Moçambique, que, devido às suas limitações e vulnerabilidades, não conseguem actuar de forma eficaz para estancar este tipo de crime.

O primeiro caso de rapto no país foi registado em finais de 2011, durante o mandato de Armando Guebuza. Curiosamente, as vítimas são, na maioria, empresários moçambicanos de origem asiática (muçulmanos e hindus).

Geograficamente, a onda de raptos que mancha Moçambique na arena internacional tem sido frequente na província e cidade de Maputo e na província de Sofala. "Tudo indica que a cidade de Maputo apresenta maior tendência e incidência de casos criminais de raptos, seguida da província de Maputo e, por fim, Sofala, com registo de 103, 41 e 18 casos, respectivamente", disse o ministro do Interior, Pascoal Ronda.

Contudo, a TORRE.News apurou, através de uma fonte segura, que estes casos de raptos de cidadãos de origem asiática resultam de desentendimentos motivados por dívidas de agiotagem entre os mandantes dos sequestros e os sequestrados.

Trata-se de uma forma de retaliação num diferendo que envolve também lavagem de dinheiro e tráfico de drogas entre esta comunidade.

A mesma fonte assegurou que parte desses cidadãos raptados possui dívidas nos seus países de origem, contraídas com agiotas para iniciar negócios em Moçambique, com taxas de juro altíssimas que, muitas vezes, não conseguem honrar.

Os negócios também são suspeitos, uma vez que alguns raptos são protagonizados contra cidadãos com pequenas lojas, aparentemente sem rendimento que crie cobiça da indústria dos raptos. "São empréstimos com juros muito altos e cujo pagamento pode levar quase toda a vida", sublinha a fonte.

A TORRE.News soube ainda que, quando as dívidas se tornam insuportáveis, os credores recorrem ao sequestro da pessoa em dívida ou dos seus parentes para pressionar pelo pagamento. É por essa razão que os sequestrados raramente cooperam com as autoridades, pois isso implicaria em auto-incriminação.

Mais de 90% dos resgates não envolvem a polícia, sendo o negócio feito entre os raptores e as famílias dos raptados.

Esta narrativa, no entanto, não anula a opinião pública que critica as autoridades por não conseguirem trazer resultados concretos para estancar este mal que mancha o nome do país além-fronteiras. O que se sabe, através das autoridades policiais, é que parte dos autores morais e materiais dos raptos são cidadãos baseados na vizinha África do Sul.

Um dos casos que gerou mais questionamentos ao nível da opinião pública foi o rapto de um empresário ocorrido em Fevereiro último, a poucos metros da Casa Militar, um quartel responsável pela segurança do Presidente da República, que se esperava ser um dos sítios mais seguros na cidade de Maputo.

No último sábado, 20 de Maio, foi raptado na cidade de Maputo, Aboo Gafar, um empresário indiano de 50 anos, também membro da Associação Muçulmana de Empresários e Empreendedores Moçambicanos (AMEEM). No local houve troca de tiros e a polícia disse que já identificou a viatura usada para consumar o rapto e, para já, decorrem diligências para esclarecer o caso. No mesmo local, segundo o porta-voz da PRM, um polícia foi baleado mortalmente.

Na segunda-feira, 22 de Maio, a AMEEM repudiou a onda de raptos e criticou a força policial por não ter sido capaz de proteger e evitar que o empresário fosse raptado.

"Lamentavelmente, os criminosos executam as suas operações à luz do dia, munidos de armas de fogo, com os rostos expostos, à vontade, sem medo de agredir quem quer que seja ou de qualquer repercussão que possa despoletar", lamentou a AMEEM, acrescentando que esses actos comprometem o desenvolvimento sócio-económico de Moçambique.

Em menos de 72 horas, na noite de ontem, foi também raptado um cidadão de origem asiática no centro da cidade de Maputo. O crime foi executado por um grupo de cinco indivíduos, dos quais três estavam armados.

A vítima foi rendida dentro do seu próprio estabelecimento comercial, de onde foi arrastada até ao carro de fuga onde estavam os outros dois criminosos.

Outro dado curioso é o facto de que grande parte das vítimas tem, aparentemente, negócios de pequeno rendimento como lojas de bebidas, tabacarias e mercearias, mas, ainda assim, são vítimas de raptos.

Tal cenário levanta questões sobre por que empresários moçambicanos e de outras nacionalidades, com negócios mais robustos, não são vítimas da mesma onda de raptos.

No domínio público, a convicção é de que estes raptos sejam mandados por indivíduos baseados na África do Sul, país que faz fronteira com Moçambique e que, em termos de casos de raptos, é considerado um dos países com as mais elevadas taxas de rapto no mundo, com preferência por cidadãos de origem asiática.

Desde 2011, já foram registados quase 190 casos de raptos em Moçambique, e pelo menos 288 detenções em conexão com este tipo de crime, segundo as autoridades governamentais.