Mozal cresce, o país empobrece: Empresa admite operar há 27 anos num "mar" de isenções fiscais acordadas com o Estado
Num contexto de crise económica crescente e promessas de reformas estruturais, a Mozal, a maior fundição de alumínio primário em África e uma das mais lucrativas empresas a operar em Moçambique, admitiu que beneficia de isenções fiscais, ao abrigo de um acordo celebrado com o Estado em 1998. A revelação surge numa altura em que o Presidente da República, Daniel Chapo, promete rever os contratos com megaprojectos para garantir uma contribuição justa das grandes corporações para o desenvolvimento nacional.

Em entrevista à TORRE.News, durante uma actividade de responsabilidade social, o presidente da Mozal, Samuel Samo Gudo, rejeitou as acusações de evasão fiscal, mas reconheceu que a empresa usufrui de benefícios estabelecidos no contrato original com o então Governo liderado por Joaquim Chissano. “Como megaprojecto, temos benefícios fiscais. Temos este e aquele benefício, mas dentro daquilo que é a nossa obrigação no âmbito do acordo com o Governo, estamos a cumprir e continuaremos a cumprir”, afirmou.
Embora sem especificar os benefícios em causa, presume-se que estes incluam isenções do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC), do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), bem como do pagamento de Royalties pela exploração de recursos. As isenções num país onde mais de metade da população vive na pobreza contrastam com os resultados financeiros da Mozal, que exporta anualmente cerca de 600 mil toneladas de alumínio, mantendo apenas 50 mil toneladas para consumo interno, sobretudo para a produção de cabos eléctricos usados pela EDM.
Confrontado com as críticas sobre o regime fiscal da empresa, Samo Gudo escusou-se a abordar directamente a questão, preferindo sublinhar o “efeito multiplicador” da Mozal na atracção de investimento nacional e estrangeiro, sobretudo no Parque Industrial de Beluluane. No entanto, esse mesmo argumento foi usado em 1998, quando o país ainda dava os primeiros passos para atrair grandes investimentos uma realidade muito diferente da actual, que exige renegociação dos termos contratuais para beneficiar efectivamente o Estado.
Reconhecendo essa necessidade, o Presidente Daniel Chapo criou o Gabinete de Reformas e Projectos Estruturantes, uma unidade sob tutela directa da Presidência da República, com a missão de reavaliar os grandes empreendimentos económicos e assegurar que estes gerem retorno efectivo para o país. “Esta nova unidade deve fazer diferença pelo seu contributo na elevação dos ganhos e benefícios que o Estado e a nossa população passarão a ter. A sua principal missão é prestar apoio directo ao Presidente da República em matérias de reformas institucionais, políticas públicas e desenvolvimento, com enfoque em projectos estratégicos”, afirmou o Chefe de Estado ao empossar João Machatine como coordenador do gabinete.
A Mozal, que tem apresentado uma performance industrial ao nível das melhores fundições do mundo, diz ter investido 3,2 milhões de dólares norte-americanos em projectos comunitários e gasto 136,9 milhões de dólares na aquisição de bens e serviços a empresas moçambicanas, especialmente as sediadas no Parque Industrial de Beluluane.
Contudo, esses valores continuam a ser vistos como marginais face aos benefícios fiscais de que a empresa usufrui e à ausência de contrapartidas fiscais significativas. No centro do debate está a pergunta: como pode um país que clama por justiça social e redistribuição equitativa da riqueza continuar a sustentar acordos que, na prática, blindam as grandes multinacionais de responsabilidades fiscais reais?
A resposta poderá marcar o início de uma nova era de governação económica ou perpetuar o modelo que permite que megaprojectos prosperem à margem das necessidades da maioria dos moçambicanos.