Banquetes nas Estatais, Miséria no Estado: O Paradoxo das Finanças Públicas em Moçambique
Moçambique vive um paradoxo alarmante nas suas finanças públicas. Estado carrega uma dívida histórica que já ultrapassa 1 trilhão de meticais, enfrenta atrasos no pagamento de salários e regista falhas graves no fornecimento de medicamentos nos hospitais. Em contraste, três das principais empresas públicas, nomeadamente a Hidroeléctrica de Cahora Bassa, os Caminhos-de-Ferro de Moçambique e a EMOSE, acumularam em 2024 lucros superiores a 17 mil milhões de meticais. Os seus administradores "mimam-se" com salários milionários e regalias de luxo, enquanto a maioria da população sobrevive em condições de precariedade. Enquanto isso, o Banco de Moçambique, no centro da crise cambial que limita importações essenciais como fármacos, organizou recentemente uma celebração luxuosa dos seus 50 anos com espectáculos de drones e jantares de gala, tendo ainda investido cerca de 700 milhões de meticais na construção de um complexo desportivo moderno. Um retracto gritante de um Estado que aperta o cinto, enquanto as suas instituições ostentam fartura num país onde falta quase tudo.

O Governo de Daniel Chapo, encontrou cofres do Estado quase vazios e herdou uma dívida que pela primeira vez, supera a marca histórica de 1 trilião de meticais, de acordo com o Balanço do Plano Económico e Social de 2024, factores que condicionam a realização da despesa pública. Em contrapartida, um grupo de empresas públicas e maioritariamente participadas pelo Estado, ostentam rios de dinheiros e detêm reservas robustas sem decisão para sua aplicação a curto e médio prazo.
Muitas das vezes, esses valores na posse do Sector Empresarial do Estado, que são lucros acumulados ao longo dos anos, acabam sendo utilizados para benefício próprio das elites desse sector através de vários esquemas de esvaziamento dos cofres. Essas empresas, basta efectuarem pagamento de dividendos ao Estado, ficam totalmente alheias à degradação da qualidade de vida dos moçambicanos, quando poderiam ter uma intervenção mais activa na resolução dos problemas do povo.
Segundo fontes que informaram a TORRE.News, essa realidade chocou o Governo de Chapo, que se viu obrigado a “forçar” três empresas participadas pelo Estado, a intervirem para salvar as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), companhia de bandeira mergulhada numa crise sem precedentes.
De acordo com as fontes, o executivo de Chapo, na 3ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros (CM), aprovou a alienação de 91% das acções do Estado na empresa LAM no valor estimado em 130 milhões de dólares americanos, para investir na aquisição de oito aeronaves.
Na altura, o órgão decidiu que a alienação da LAM deveria ser feita por negociação particular com as empresas Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM) e Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE), todas pertencentes ao sector empresarial do Estado.
As mesmas estão no lote das empresas com lucros astronómicos, uma verdadeira super-abundância que favorece a ostentação que contrasta com a realidade de um país sem fármacos nos hospitais, sem carteiras nas escolas e sem estradas condignas. Face a essa realidade, a decisão do Presidente Chapo, evitou pelo menos que a LAM fosse endividar-se no estrangeiro, quando há solução “em casa”.
A título de exemplo, em 2024, o resultado líquido da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) atingiu 14,1 mil milhões de meticais, o que equivale a 218,7 milhões de dólares. Este foi um recorde histórico para a empresa, representando um crescimento de 8,48% em relação a 2023, tornando a empresa responsável por 94% do lucro líquido das empresas do Estado. Embora contribuindo significativamente para a receita do Estado moçambicano, na vila de Songo onde a empresa está instalada, na província de Tete, há desafios sociais monumentais.
De acordo com o último relatório de contas disponível de 2023, a Empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), registou lucros na ordem dos 46,6 milhões de dólares, um crescimento de 26%, comparado com os 35,6 milhões de dólares contabilizados em 2022. Dessa verba, a administração dos CFM decidiu aplicar 65% dos lucros em reservas, e os restantes 35% no pagamento de dividendos ao Estado. No mesmo período, foram investidos mais de 8,7 mil milhões de meticais na melhoria dos equipamentos ferro-portuários. Esta empresa ganha rios de dinheiro com o aluguer de infra-estruturas.
Por sua vez, a Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE), também envolvida na compra de acções na LAM, por “obrigação” do governo, fechou o exercício económico de 2024 com um resultado líquido positivo de 368,1 milhões de meticais, o que representa um crescimento de 746,95% em relação ao exercício anterior. Muitas das vezes, esses resultados positivos só beneficiam um grupo de privilegiados. A EMOSE, sistematicamente, tem sido alvo de investigação do GCCC, com um histórico de gestão danosa e apropriação indevida de fundos por parte dos gestores.
Enquanto a dívida pública do Governo Central registou no primeiro trimestre de 2025, um aumento de 2,7% face ao quarto trimestre de 2024, impulsionado com novas emissões da dívida no âmbito da facilidade de crédito que tem no banco central, bem como pela emissão dos Bilhetes de Tesouro para a despesa pública, sobretudo o pagamento de salários, o stock da dívida externa das empresas do Estado registou uma contracção de 8,29%, de acordo com boletim trimestral sobre a dívida pública divulgado recentemente pelo Ministério da Economia. Essa tendência mostra a boa saúde de algumas empresas do Estado, mas o seu impacto é insignificante para o desenvolvimento.
Ainda na “loucura” de ostentação levada a cabo por algumas instituições que vivem uma realidade alheia à situação do país, o Banco de Moçambique, há dias, provou aos moçambicanos que vive num país diferente de um Moçambique de extrema necessidade. Nas comemorações do seu quinquagésimo aniversário, que coincidiu com 50 anos do metical, a moeda nacional, o regulador do sistema financeiro realizou uma festa galáctica que culminou com a exibição de espectáculo de drones que deixou Maputo perplexo, requintada como um jantar de gala com convidados internacionais de luxo com direito a promoção de alto calibre ao nível dos órgãos de informação, mostrando toda a sua pujança financeira em contexto de aperto para o país.
Por falta de divisas no mercado, um cenário que expõe fragilidades da política cambial do próprio banco, a situação afecta negativamente o ambiente de negócios e a economia no geral, escalando igualmente sectores sensíveis como a importação de medicamentos que registou queda estrondosa desde o primeiro trimestre do ano em curso, perigando a vida dos cidadãos.
Mesmo perante grito de socorro dos empresários vindo de todo canto do país, Zandamela, continua renitente em assumir o problema da falta de divisas no mercado, tendo afirmado no aludido jantar regado, no qual participou o Chefe do Estado e sua esposa, que o país possui reservas internacionais suficientes para responder às necessidades das importações. “Estamos bem. Estamos em equilíbrio. Estamos razoáveis. Temos reservas muito acima de cinco meses em termos de cobertura de importações”, disse o Xerife, como o governador é alcunhado.
Só esta semana, para além de toda a campanha publicitária em todos os veículos comunicacionais, o BM realizou no dia 16, no Montebelo Indy Village Congress Hotel, o encontro anual dos governadores dos bancos centrais da SADC, num encontro no qual, o próprio Governador Rogério Zandamela declarou que a actividade económica no país desacelerou 1,9% em 2024 e confirmou a tendência da situação piorar devido às tensões pós-eleitorais que levaram à paralisação da produção.
Ainda recentemente, o Banco de Moçambique inaugurou um complexo desportivo moderno no distrito de Matutuíne, província de Maputo, uma infra-estrutura que custou cerca de 700 milhões de meticais. O complexo desportivo está localizado numa região de extrema pobreza, onde falta tudo, onde as comunidades locais enfrentam desafios estruturais, desde acesso à água, salas de aulas, hospitais, estradas entre outros serviços básicos, para além do clássico conflito homem-animal que deixa vítimas mortais.