Crise de tesouraria: Especialistas sugerem recurso ao Fundo Soberano

Os cofres do Estado de Moçambique estão a enfrentar uma crise de tesouraria não assumida, o que compromete não apenas o funcionamento regular dos órgãos estatais, mas também coloca em risco a realização das próximas eleições gerais, marcadas para Outubro. Esta situação crítica surge num momento em que o país, através do projecto Coral Sul FLNG, já efectuou 46 carregamentos de gás natural liquefeito (GNL) para os mercados internacionais, conforme anunciou recentemente o Presidente da República, Filipe Nyusi. Contudo, as receitas geradas por estas exportações permanecem num estado de incerteza, aguardando a definição da política de utilização através do recentemente criado Fundo Soberano.

Agosto 15, 2024 - 11:39
Agosto 15, 2024 - 11:44
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Crise de tesouraria: Especialistas sugerem recurso ao Fundo Soberano

A crise de liquidez nas finanças públicas tem gerado preocupações significativas entre economistas e analistas, que apontam o recurso ao Fundo Soberano como uma potencial solução temporária para aliviar as contas públicas. Egas Daniel, economista respeitado e associado à International Growth Centre da London School of Economics, sugeriu em entrevista à TORRE.news que os fundos depositados no Fundo Soberano poderiam ser usados para mitigar a crise de tesouraria que o governo enfrenta, desde que sob regras bem definidas.

"Esse problema pode ser resolvido recorrendo, por exemplo, ao dinheiro do Fundo Soberano. Embora seja necessário estabelecer regras para a sua utilização, este seria um recurso viável para enfrentar a crise", afirmou Daniel. O economista ainda reforçou que o governo deveria considerar acelerar a operacionalização do Fundo ou reavaliar a pertinência de manter o dinheiro guardado num contexto de crise como o actual.

Paralelamente, Rui Mate, pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), também em declarações à TORRE.news, realçou que as receitas provenientes do projecto Coral Sul têm sido destinadas ao Fundo Soberano desde finais de 2022. Contudo, a falta de transparência sobre a gestão destas receitas e o tempo prolongado das discussões sobre a operacionalização do Fundo têm gerado desconfiança e incerteza. "O governo tem afirmado que essas receitas estão guardadas numa conta, mas não há clareza sobre se estão a gerar rendimentos (juros) ou não. A pressão da crise de liquidez actual e a necessidade de financiar as eleições podem ter levado o governo a usar esses fundos, com o Fundo Soberano a receber valores apenas no próximo ano", alertou Mate.

A situação é agravada pela falta de estruturas operacionais do Fundo Soberano, com apenas a comissão de supervisão anunciada publicamente. A ausência de uma equipa de investimento e de uma clara estratégia de gestão coloca em causa a eficácia e o timing da implementação do Fundo, que, mesmo que operacional, poderá demorar a gerar receitas tangíveis. "Deverá haver algum período de espera até que os ganhos do Fundo sejam sentidos", sublinhou Mate.

Além da crise de tesouraria, a falta de financiamento estatal está a repercutir-se directamente na violação da Lei dos Partidos Políticos, que estipula a atribuição atempada de fundos para a organização das campanhas eleitorais. A menos de dez dias do início oficial da campanha, os partidos ainda não receberam os 260 milhões de meticais necessários para a propaganda política, e outros sectores críticos para a realização das eleições, como a polícia e os meios de comunicação social, também aguardam por financiamento.

A crise financeira e a consequente falta de apoio internacional, devido ao descrédito dos processos eleitorais moçambicanos, têm obrigado o governo a encontrar soluções internas para garantir a realização das eleições. Em Maio passado, o Governo assegurou estar a desenvolver políticas de investimento e um contrato de gestão para a operacionalização prática do Fundo Soberano, aprovado pelo Parlamento no final de 2022, com receitas projectadas em 6 mil milhões de dólares anuais até 2040. Contudo, a concretização destes instrumentos ainda não se materializou, deixando o futuro do Fundo e das finanças públicas em suspenso.