Escolas primárias públicas sem água e energia há mais de um ano: “dependemos da boa vontade dos vizinhos para termos água”

"Nós estamos a financiar a escola. Isso é um pouco caricato, mas não temos outra escolha".

Junho 14, 2024 - 12:40
Junho 14, 2024 - 12:54
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Escolas primárias públicas sem água e energia há mais de um ano: “dependemos da boa vontade dos vizinhos para termos água”

As escolas primárias, ponto de partida para a vida académica, encontram-se cada vez mais mergulhadas numa série de problemas que comprometem o processo de ensino e aprendizagem, além de colocar em risco a promessa de uma educação de qualidade.

A falta de serviços básicos, como água e energia elétrica, é apenas a ponta do iceberg num sistema que já sofre com a escassez de professores, falta de livros escolares e a elevado racio aluno-carteira.

Na cidade de Maputo, capital do país, a TORRE.News encontrou escolas primárias que operam sem água e energia eléctrica há mais de um ano. O fornecimento destes serviços essenciais foi interrompido por falta de pagamento, uma situação agravada pela alegada incapacidade financeira do governo.

Uma directora, que preferiu não ser identificada, descreveu a situação com resignação: "Aqui só vivemos pela graça de Deus, não tenho uma explicação melhor para essa situação".

A escola que dirige, localizada no centro da cidade, depende da boa vontade dos vizinhos, um edifício de uma missão consular, para obter água para as casas de banho.

Contudo, não há água disponível para o consumo dos alunos. "Às vezes, dá-me muita pena ver crianças chorando de um lado para o outro querendo água e eu, como directora, não poder fazer nada para prover algo tão básico como isso", desabafou, emocionada.

A restrição de energia eléctrica é outro desafio significativo. Durante o período frio, as salas de aula são invadidas pela cacimba, dificultando a visibilidade e expondo os alunos a um frio intenso, pois as janelas estão quebradas.

"Se tivéssemos energia, com as luzes, pelo menos daria para aquecer um pouco as salas de aula", comentou a directora.

Em resposta à falta de energia, professores e gestores escolares têm financiado a compra de CredElectric, com contribuições diárias de 200 meticais, para assegurar um mínimo de funcionamento até pouco depois do meio-dia.

"Nós estamos a financiar a escola. Isso é um pouco caricato, mas não temos outra escolha", reconheceu a directora, mostrando uma pilha de recibos de compra de energia como prova do esforço contínuo.

A Escola Primária 25 de Setembro, também em Maputo, espelha a negligência do governo no investimento no sector da educação. Com cerca de 824 alunos, a escola enfrenta uma crise de abastecimento de água há várias semanas devido a dívidas não pagas.

Carla Sambo, directora da escola, desabafa sobre a dificuldade de gerir a situação e as medidas adoptadas, como sensibilizar as crianças para usarem as torneiras "somente quando necessário".

"A dor de cabeça é simplesmente inevitável", afirmou Sambo, que pondera remover as torneiras para evitar que as crianças fiquem frustradas ao procurar água que não está disponível.

A preocupação cresce à medida que a água dos reservatórios se esgota, colocando em risco a higiene e a saúde dos alunos.

Enquanto a situação das escolas primárias se agrava, organizações como o Movimento de Educação para Todos (MEPT) apresentam soluções potencialmente viáveis para combater a desistência escolar e melhorar a educação.

O Observatório do Meio Rural (OMR) propõe a descentralização e atribuição de recursos financeiros às escolas para cobrir despesas operacionais e adquirir materiais pedagógicos.

O estudo "Uma Fraude Chamada Ensino Primário Público? Reprodução de Diferentes Níveis da Cidadania e Comprometimento de um Projecto de Unidade Nacional", de João Feijó e Neuza Balane, ressalta a necessidade de eliminar barreiras burocráticas para que as escolas possam gerir-se de forma sustentável.

No entanto, a implementação destas medidas requer vontade política, algo que parece escasso.

Segundo o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), Moçambique gasta cerca de 73% dos seus rendimentos no pagamento de salários e 20% no pagamento de dívidas, restando apenas 7% para investimentos públicos, incluindo a educação.

Esta situação financeira restritiva impede avanços significativos e torna a promessa de uma "educação de qualidade" uma mera utopia.

Em suma, os problemas nas escolas públicas representam uma ferida aberta que provoca dor aos gestores escolares, desafia a determinação dos alunos e expõe a negligência do governo.

É urgente uma reavaliação das políticas públicas para assegurar um futuro melhor para a educação em Moçambique.