Após 10 anos de cooperação e endividamentos: Guebuza vira costas ao ocidente

O antigo chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, surpreendeu a nação na última quinta-feira (27), ao acusar o ocidente de ter uma agenda de semear discórdia entre os povos africanos, especialmente os moçambicanos.

Julho 1, 2024 - 16:57
Julho 1, 2024 - 16:58
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Após 10 anos de cooperação e endividamentos: Guebuza vira costas ao ocidente

As declarações foram feitas durante o lançamento da segunda edição do seu livro “Os Tambores que Cantam”, em Maputo, evento que contou com a presença de figuras controversas como Alexandre Chivale  (que estava desaparecido há dois anos depois de ter sido constituído arguido no caso das dívidas ocultas).

“(...) a tarefa de algumas pessoas [ocidentais] é convencer os africanos a considerarem que a sua comunidade, que a sua família, que os seus parentes representam perigo”, afirmou Guebuza.

Ele também sugeriu que as acusações de corrupção contra gestores africanos são fabricadas pelo ocidente, apesar de dados do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) indicarem a instauração de mais de 1500 processos de corrupção por ano, principalmente contra gestores públicos.

“As nossas qualidades, as mais humanas que nós temos, viraram corrupção, mas só para eles. Deixemos eles pensarem que é corrupção. Nós [africanos] acreditamos que é um valor a preservar, a defender e a continuar a valorizar”, rebateu Guebuza.

Contradições e endividamento

Paradoxalmente, durante os seus 10 anos de governo, Armando Guebuza manteve uma relação estreita com os países ocidentais, recorrendo a eles para endividar Moçambique de forma significativa.

Foi sob a sua liderança que a dívida externa do país cresceu de 4 mil milhões de dólares, no governo de Alberto Chissano, para mais de 15 mil milhões de dólares entre 2004 e 2014.

De acordo com dados do Centro de Estudos Internacionais, entre os anos 90 e 2000, a dívida pública de Moçambique reduziu significativamente graças a diferentes iniciativas de alívio de dívida. De mais de 150% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1998, a dívida passou para cerca de 50% do Produto Nacional Bruto (PNB) em 2006.

Entretanto, desde então, o crescimento da dívida pública acelerou, tendo-se reaproximado da cifra de 100% do PIB, em 2015. A dívida contraída junto de países do grupo conhecido pela sigla BRICS, para além dos países europeus, foi um dos principais determinantes deste crescimento.

Entre 2008 e 2014, a dívida de Moçambique com os BRICS aumentou mais de nove vezes, passando de cerca de 191 milhões de dólares para cerca de 1,8 mil milhões de dólares, cita o Centro de Estudos Internacionais.

Quando assumiu o poder em 2004, Guebuza herdou um país com uma dívida quase inexistente, fruto do trabalho de Luísa Diogo, Ministra das Finanças no governo de Chissano, que capitalizou as iniciativas globais de perdão de dívida consentidas pelos países ricos. 

Dívidas Ocultas e consequências

O legado de Guebuza inclui as controversas dívidas ocultas, empréstimos fraudulentos e não declarados que totalizaram mais de 2.2 mil milhões de dólares, contraídos junto a bancos ocidentais através da Previnvest.

“O crescimento do custo e do stock global, as dívidas ocultas representam cerca de 20% da dívida pública total”, segundo a Direcção Nacional do Tesouro, em 2017.

Este endividamento, canalizado para benefício pessoal e não para o Estado, resultou em julgamentos e condenações de vários responsáveis, e continua a hipotecar o futuro do país.

As dívidas ocultas prejudicaram gravemente a reputação de Moçambique nas praças financeiras internacionais, uma situação que o governo actual ainda tenta resolver em tribunais na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Como consequência directa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cessou o financiamento ao Orçamento do Estado, adiando investimentos e actividades de impacto social crucial para o desenvolvimento do país.