Hospitais sem medicamentos: Ministro da Saúde apela à paciência dos fornecedores sem apresentar plano para saldar dívida de 10 mil milhões

Hospitais e centros de saúde públicos em Moçambique enfrentam uma crise severa de abastecimento, marcada pela escassez generalizada de medicamentos e insumos médicos, incluindo a utilização de produtos fora do prazo de validade. Com uma dívida acumulada superior a 10 mil milhões de meticais junto dos principais fornecedores, o Governo continua sem apresentar um plano de regularização. Na reunião realizada ontem, quarta-feira, o Ministro da Saúde, Ussene Hilário Isse, limitou-se a apelar à “paciência” dos credores, sem avançar qualquer proposta concreta, numa tentativa de evitar a suspensão total das entregas ao sistema nacional de saúde.

Maio 15, 2025 - 11:02
Maio 15, 2025 - 11:20
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Hospitais sem medicamentos: Ministro da Saúde apela à paciência dos fornecedores sem apresentar plano para saldar dívida de 10 mil milhões

O encontro, no entanto, terminou sem avanços significativos. Em vez de apresentar um cronograma de regularização da dívida, o Ministro limitou-se a apelar à paciência dos credores. “Pedimos paciência, não nos abandonem”, repetiu por diversas vezes, sem garantir qualquer compromisso financeiro ou prazos de pagamento.

Na última sexta-feira, o Ministro havia falhado um encontro previamente agendado com os fornecedores, delegando ao Secretário-Permanente a tarefa de tentar convencer os credores a manterem o fornecimento, apesar da situação financeira crítica. A ausência do titular da pasta irritou os empresários, que decidiram formar um bloco de pressão composto por oito dos maiores importadores de medicamentos, com o objectivo de adoptar medidas mais radicais nos próximos dias, incluindo a suspensão total das entregas ao Estado.

Para este ano, o orçamento do Ministério da Saúde ronda os 6 mil milhões de meticais um valor claramente insuficiente para fazer face à dívida de 10 mil milhões já acumulada com fornecedores e prestadores de serviços. A discrepância orçamental compromete a sustentabilidade do sistema de saúde público e deixa hospitais e centros de saúde à beira do colapso.

Em entrevista à TORRE.News, Mariamo Aly Hassane, Presidente da AIPROMEM Associação dos Importadores e Produtores de Medicamentos de Moçambique, confirmou que muitos dos fornecedores já cessaram as entregas ao Estado por absoluta falta de garantias de pagamento. “É impossível manter fornecimentos com dois anos de atraso. Os hospitais não têm medicamentos porque os fornecedores não podem continuar a operar no vermelho. É uma questão de sobrevivência financeira”, afirmou.

A crise de tesouraria é tal que, segundo informações recolhidas pela TORRE.News, o Governo terá ordenado o cancelamento de todos os concursos públicos para fornecimento de medicamentos em 2025, facto que, a confirmar-se, agravará ainda mais a situação dramática do sector.

A escassez de medicamentos e material médico-cirúrgico é visível em várias unidades de saúde do país. Na província de Maputo, uma investigação da TORRE.News constatou ausência de medicamentos essenciais e até de materiais básicos como compressas. Em casos de acidentes, as vítimas são deixadas sem tratamento por falta de insumos.

“Não sabemos se os insumos que estamos a usar são doações ou sobras antigas, mas muitos estão fora do prazo de validade. Há dias em que não temos nada para tratar os pacientes. Limitamo-nos a fazer o mínimo e a aconselhar os doentes a procurarem ajuda fora”, relatou, sob anonimato, uma enfermeira do turno da noite num hospital distrital.

Nos postos de saúde de Beluluane, Matola-Rio e Boane, a situação é semelhante. Não há medicamentos para as doenças mais comuns e o pessoal de saúde limita-se a emitir receitas que os pacientes, na sua maioria de condição económica precária, não conseguem cumprir nas farmácias privadas.

As comunidades estão à deriva. Sem medicamentos, sem alternativas e sem respostas claras do Governo, cresce o sentimento de abandono e revolta, especialmente entre os mais vulneráveis, que dependem exclusivamente do sector público para aceder a cuidados básicos de saúde.

Enquanto se discutem prioridades orçamentais e se preparam grandes comemorações nacionais, o sistema de saúde nacional parece caminhar para o colapso, sem medicamentos, sem insumos e, sobretudo, sem um plano.