Moçambique ignora EUA e abraça Ruanda e China em Cabo Delgado

A província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, tem sido um ponto focal de interesses internacionais devido às suas vastas riquezas naturais, tornando-se um verdadeiro "El Dourado".

Julho 2, 2024 - 16:31
 1
Moçambique ignora EUA e abraça Ruanda e China em Cabo Delgado

No entanto, a região está sob ataque terrorista desde 2017, o que atraiu a atenção de várias potências internacionais, incluindo os Estados Unidos, Ruanda e China.

Desde o início dos ataques, forças internacionais, incluindo a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), têm-se disponibilizado para ajudar o exército moçambicano a recuperar os distritos de Cabo Delgado ocupados por terroristas do Estado Islâmico (EI).

Entre estas forças, os Estados Unidos da América (EUA), que lideram a lista dos países com maior despesa militar em 2023, com 916 mil milhões de dólares dedicados às forças armadas, manifestaram interesse em apoiar o exército moçambicano no combate ao terrorismo.

Esta proposta, feita em finais de 2021, ainda não recebeu uma resposta oficial de Moçambique. Apesar disso, os americanos mantêm a sua disponibilidade para ajudar.

Globalmente, a presença dos EUA em África ocorre num regime de competitividade com outras potências mundiais, como China e Rússia.

Os EUA instalaram o AFRICOM, uma força de apoio aos países africanos. Michael Langley, comandante do AFRICOM, considerou que as operações chinesas em África são preocupantes, classificando-as como exploradoras e coercitivas.

A presença da China em Moçambique é evidente em vários domínios sociais, incluindo infraestruturas e exploração de recursos naturais. Em 2016, Moçambique e China assinaram um Acordo Abrangente de Parceria Estratégica e Cooperação, que inclui apoio à defesa nacional.

Recentemente, o ministro da Defesa de Moçambique, Cristóvão Chume, visitou Pequim para discutir a cooperação militar entre os dois países. A China tem sido acusada de financiar grupos rebeldes em África, o que levanta preocupações sobre suas verdadeiras intenções no continente.

Em 2021, o Ruanda anunciou o envio de um contingente de mil homens para Cabo Delgado, em resposta a um pedido de Moçambique. Este número aumentou recentemente para 2.500 militares, com um orçamento de cerca de 20 milhões de euros, que está em discussão para ser elevado para 40 milhões de euros pela União Europeia.

O Ruanda é responsável pelos distritos costeiros do nordeste de Cabo Delgado, enquanto as tropas da SADC estão estacionadas no sudeste e interior ocidental.

A presença ruandesa em Moçambique gera receios na região devido ao seu envolvimento em conflitos no Leste do Congo e em negócios através da empresa Crystal Ventures.

A retirada prevista das tropas da SADC a 15 de Julho pode abrir espaço para a expansão da presença militar ruandesa, uma situação descrita pela Foreign Policy como uma tentativa do Ruanda de se tornar a "polícia de África".

Botswana e Lesoto já retiraram suas tropas em Abril, enquanto Angola e Namíbia estão a preparar-se para sair. A África do Sul, que liderava a missão da SADC com 1.495 soldados, anunciou que manterá as suas forças em Cabo Delgado até ao final do ano, fora do âmbito da missão da SADC, para combater militantes.

Separadamente, o Ruanda planeia aumentar seu contingente de 2.500 homens com base num acordo bilateral secreto com Maputo.

A Tanzânia também pretende manter entre 400 e 500 soldados em Moçambique após o fim da missão da SADC, com o objetivo de impedir a travessia de combatentes pela fronteira de 860 quilómetros entre os dois países.

O presidente moçambicano, Filipe Nyusi, iniciou recentemente uma visita à Tanzânia para fortalecer os laços de cooperação no combate ao terrorismo.

"A próxima semana, ou final desta semana, a SAMIM vai sair, e a Tanzânia vai continuar a colaborar connosco de forma bilateral", afirmou Nyusi.

A crise humanitária em Cabo Delgado tem-se intensificado com a violência, deslocando mais de 80.000 pessoas apenas em 2024. Desde o início do conflito, mais de 4.000 pessoas foram mortas e cerca de 1 milhão foram deslocadas internamente.

As condições de vida para os deslocados são precárias, com necessidades urgentes de alimentos, abrigo e assistência médica. A violência tem causado a destruição de residências, escolas e centros de saúde, exacerbando a já grave situação humanitária na região.

Esta complexa rede de interesses internacionais em Cabo Delgado reflecte a luta geopolítica pelo controle e exploração das riquezas da região, com Moçambique a navegar entre diferentes alianças para garantir a estabilidade e segurança da província.