Razaque Manhique: Um edil que dirige Maputo entre festas milionárias, lixo e populismo

O edil da Cidade de Maputo, Razaque Manhique, logo após assumir a presidência do município, implementou medidas populistas que, de forma alguma, respondem às reais necessidades da urbe. Muitos bairros continuam submersos pelas águas das chuvas, enquanto avenidas estão tomadas pelo lixo que transborda dos contentores. Em vez de enfrentar esses problemas críticos, Manhique aplicou fundos escassos em festas milionárias, perdoou multas aplicadas a igrejas e temporariamente suspendeu multas de mau estacionamento, agravando ainda mais a já precária situação financeira do município.

Julho 17, 2024 - 10:53
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Razaque Manhique: Um edil que dirige Maputo entre festas milionárias, lixo e populismo

O edil de Maputo, Razaque Manhique, eleito nas últimas eleições autárquicas, rotuladas como as mais fraudulentas de sempre, está a destacar-se pela sua ousadia em tomar medidas incomuns para uma governação autárquica.

Numa altura em que o município está "financeiramente de concorras ", e em que o normal seria alargar a base de coleta de impostos para realizar a despesa, paradoxalmente, está a achatar ainda mais as poucas fontes existentes.

Estranhamente, e mesmo com munícipes de Maputo a viverem dentro de águas, o edil decidiu liderar a mobilização de cerca de 10 milhões de meticais para realizar uma festa alusiva aos 49 anos da independência de Moçambique. Trata-se de um valor quase duas vezes maior do que o usado na compra de motobombas para aliviar o sofrimento das vítimas das inundações.

Na altura, o município justificou que "o equilíbrio de uma cidade passa necessariamente também por criar espaços de confraternização para que as nossas famílias também possam desfrutar de momentos de lazer, momentos de socialização e momentos de intercâmbio cultural."

Enquanto isso, a cidade de Maputo, sobretudo a sua periferia, está cheia de lixo que periga a saúde dos munícipes e belisca a imagem da Pérola do Índico.

A edilidade já veio a público assumir a incapacidade de manter a cidade de Maputo limpa, devido a um défice de 30 milhões de meticais por mês para a recolha de resíduos sólidos na capital do país. Ou seja, a edilidade só consegue colectar mensalmente apenas 14 milhões de meticais, num universo de cerca de 44 milhões necessários para esta actividade.

"Neste momento, temos uma factura mensal resultante da recolha primária de cerca de 10 milhões e 370 mil meticais, outra da recolha secundária, que é a principal, em que nós vemos os efeitos directos, de cerca de 33 milhões e 560 mil meticais, totalizando cerca de 44 milhões de meticais mensalmente", explicou na semana passada João Munguambe, vereador das Infra-estruturas e Salubridade.

Este não é o único desafio que o município enfrenta. A edilidade ainda não resolveu os problemas das cheias urbanas que ameaçam fazer desaparecer alguns bairros históricos da cidade de Maputo, designadamente, Magoanine, Malhazine, Hulene, Zimpeto, entre outros.

Os pontos considerados críticos clamam por intervenção de vulto, nomeadamente, a colocação de valas de drenagem, bacias de retenção de águas, saneamento do meio e mais. Mas o município não tem dinheiro.

Mesmo nessa condição, Razaque Manhique suspendeu temporariamente a aplicação de multas aos automobilistas na cidade de Maputo, por considerar que há exageros da polícia na responsabilização dos condutores.

"Estamos a exagerar na fiscalização de viaturas na via pública", afirmou o edil, confirmando a sua tendência de achatar as fontes de receita para o município, com recurso a medidas populistas.

Essa medida foi tomada num contexto em que o município está altamente endividado, e os 14 milhões que consegue amealhar mensalmente resultam da cobrança da taxa de lixo pela EDM, sendo que, os cerca de 30 milhões, segundo a edilidade, têm de vir de outros recursos, numa altura em que a dívida também tende a crescer.

"Pagámos, este ano, cerca de 60 milhões à Ecolife, e pagámos o mesmo valor à Enviroserv. Isto para dizer que estamos a fazer os pagamentos, mas este pagamento, naturalmente, é insuficiente para cobrir as dívidas passadas que nós temos", concluiu o vereador, realçando que a edilidade continua a mobilizar recursos adicionais para cobrir as dívidas com a Ecolife, Enviroserv e Clean Africa.

Mas a saga de Razaque Manhique não parou por aí. Há dias, o edil suspendeu todas as multas aplicadas às igrejas por poluição sonora. Manhique fundamentou a decisão, alegando apostar na sensibilização para travar o problema. Uma vez mais, trata-se de uma medida populista que ataca directamente as fontes de receita para o município.

Na mesma senda, o edil tomou a medida de suspender por quinze dias a aplicação de multas aos transportadores cujas viaturas estivessem mal estacionadas, para igualmente dar espaço à sensibilização.

A sua avaliação de governação dos primeiros 100 dias foi marcada pela medida incomum de autorizar os vendedores informais a continuarem nas ruas da capital, alegadamente porque ainda não há espaço para colocá-los.

O negócio informal, para além de não assegurar receitas ao município, também transforma Maputo num autêntico "dumba-nengue", comprometendo a postura urbana recomendável para uma capital que deveria ser o espelho para as outras 65 autarquias do país, em termos de organização.

Para avaliar o impacto económico dessas medidas, a TORRE.News ouviu o economista Egas Daniel, filiado à International Growth Centre da London School of Economics. A fonte prefere acreditar que, por detrás dessas medidas, existe uma estratégia maior que o município tem para colmatar o défice que incorre ao abrir mão de certas receitas, porque, de outra forma, não encontra suporte técnico para o efeito.

A fonte entende que há uma aparente contradição entre as necessidades financeiras do município e as medidas de abrir mão de receitas.

"Só posso aceitar se as receitas que o município está a abrir mão não sejam significativas. Ou então o município tem outras fontes mais robustas. Ou o município está a aliviar aqui para apertar noutro sítio para compensar a perda", disse a fonte.

Egas Daniel aventa a hipótese de o edil estar numa campanha para projectar uma boa imagem aos munícipes, ignorando alguns preceitos básicos de gestão municipal.

Segundo as buscas da TORRE.News, Razaque Manhique é actualmente presidente da mesa da Associação Nacional dos Municípios de Moçambique (ANAMM), um órgão deliberativo. Daí que surge o risco de as medidas populistas representarem um modelo de gestão autárquico a ser seguido, cenário que seria grave para a vida dos municípios, numa altura em que o Governo já veio a público avisar aos edis para se desdobrarem na busca de soluções para financiar as suas actividades.

Quase todos os 65 municípios existentes no país, para além das fracas receitas, dependem muito do fundo de compensação autárquico e outros valores canalizados pelo Estado moçambicano.

Sabe-se, no entanto, que a questão da popularidade constitui uma grande fraqueza para o edil de Maputo, tendo em conta a forma como ascendeu ao poder. Sendo assim, era espectável qualquer acção política na busca da sua legitimidade, menos a arriscada empreitada de cortar as fontes de receitas.