Bernardo Aparício: O rosto apontado como promotor de desmandos no Standard Bank
É um enredo que há muito vem correndo, já causou despedimentos em série, contratação de pessoas sem experiência e, ao prejuízo do banco, clientes sem saldo nas contas puderam levantar cerca de 300 milhões de meticais. Além disso, as nossas fontes asseguram que a mesma figura é acusada de uma fraude de milhões no Absa Bank. Nesta reportagem, a TORRE.News traz a cara, os factos e as possíveis motivações de quem conduz estes desmandos no Standard Bank.
Bernardo Aparício é cidadão português que dirige o Standard Bank desde 2022, na qualidade de Managing Director (MD), uma posição equivalente a Director Executivo. Chegou para substituir o nigeriano Adimohanma Chukwuma Nwokocha, suspenso do exercício de cargos sociais e de funções de gestão em instituições de crédito e sociedades financeiras no país, por um período de seis anos pelo Banco de Moçambique, em 2021, acusado de atropelos a princípios e metodologias de gestão bancária impostas pelo regulador.
Na mesma acção, o Banco de Moçambique suspendeu o Standard Bank da actividade cambial no país por um período de um ano e aplicou uma multa de pouco mais de 290 milhões de meticais, como resultado de uma acção que o Banco de Moçambique classificou de “graves infrações de natureza prudencial e cambial”.
Mas desde que Aparício assumiu a direcção, ao invés de melhorar a reputação, o banco regrediu em vários indicadores e o auge do declínio são as alegações que pesam sobre o MD, ligadas a uma gestão que privilegia interesses pessoais, nepotismo e maus tratos contra trabalhadores, sobretudo de pele escura.
Esse leque de injustiças está a ser registado sob vista grossa de quem devia zelar pelos direitos dos trabalhadores, designadamente a Inspecção Geral do Trabalho. Chuva de denúncias comprovam a ocorrência de maus tratos, despedimentos sem justa causa e falta de pagamento de indemnizações.
Uma fonte segura, que serviu aquela instituição financeira por mais de 15 anos ocupando um cargo de direcção, decidiu abrir a voz à TORRE.News para contar tudo o que sabe sobre o "dossier Standard Bank".
Segundo a fonte, os problemas do Standard Bank começaram quando o sistema SIMOrede, introduzido pelo Banco de Moçambique, apresentou problemas que levaram a um apagão quase total nos bancos comerciais no país.
Como solução, a equipa de Técnicos de Informática (IT’s - sigla inglesa) do Standard Bank, na altura dirigida pelo MD Adimohanma Chukwuma Nwokocha, optou pela implantação de um sistema alternativo para fazer face aos problemas do apagão, apesar de violar as políticas do banco central, o que ditou a suspensão e penalização do Standard Bank.
Aliás, na fundamentação do Banco de Moçambique sobre a suspensão do Standard Bank em 2021, consta, entre outras, a “instalação e implementação de uma rede de pagamentos ilegal sediada fora do país, que, no geral, se assemelha à SIMOrede”.
Porém, a introdução do sistema, com todos os riscos que acarretava, era contra as políticas do regulador, facto que foi, segundo a fonte, relatado em vários emails e atas enviados ao Conselho Executivo do banco, um organismo a que cabia decidir se a equipa avançava ou não.
De acordo com a fonte, no fim das sanções aplicadas pelo Banco de Moçambique, em 2022, Aparício assume a direcção do Standard Bank e, por aí, começam os desmandos. "Ele disse: ‘preciso salvar a imagem do banco e, para tal, algumas pessoas devem ser sacrificadas’”, disse a fonte que afiançou ainda estar num processo de recuperação pelos transtornos morais que o afastamento causou na vida pessoal e profissional.
Sacrificar algumas pessoas significava, em termos práticos, o afastamento da equipa de IT que esteve por detrás da implementação do sistema. Desse grupo, a TORRE.News sabe que pelo menos 7 pessoas foram demitidas e, algumas, tiveram até que entregar as casas, como forma de honrar com os empréstimos que tinham com o banco.
Do ponto de vista humano, esses funcionários viram seus direitos violados e todo seu tempo de trabalho jogado abaixo. Aliás, a TORRE.News sabe da fonte que, parte destes, já estavam quase a caminho da reforma, mas o novo MD não levou isso em consideração.
"O indignante é que o MD sabia que a implantação do sistema não era decisão da equipa de IT, mas, ainda assim, decidiu demiti-los, numa acção que chamou de ‘lavar a imagem da instituição’”.
Ao nível do Conselho Executivo, recorde-se, um organismo que foi responsável pela aprovação do sistema, foram demitidas, pelo menos, 4 pessoas.
O curioso, porém, segundo a fonte, é que um funcionário do banco, de nome Victor Jardim, foi o dono do sistema introduzido pelos IT's e, na altura, fazia parte da Comissão de Mercado. Mas, estranhamente, as medidas de despedimentos implementadas por Bernardo Aparício não incluíram Victor Jardim e, antes pelo contrário, foi integrado na Comissão Executiva.
Alegadas admissões por amizades e os danos ao Banco
Depois do despedimento dos funcionários, grande parte da equipa de IT, alguns com acordos que eles mesmos consideram humilhantes, o banco precisava fazer a reposição do staff.
Para tal, segundo a mesma fonte, Bernardo Aparício recorreu aos seus amigos, alguns vindos do Absa Bank e outros da Vodacom e M-Pesa Moçambique para ocuparem as vagas.
Uma outra fonte segura, que trabalhou no Standard Bank por mais de 10 anos, disse à TORRE.News que, do Absa Bank, Aparício trouxe cerca de 4 pessoas, sendo que nesta reportagem importa destacar José Pacheco e Januário Valentim.
Essas figuras, apontadas como próximas de Bernardo Aparício, desempenham funções de relevo no Standard Bank, nomeadamente Head of Risk, cargo ocupado por José Pacheco, e Head of Commercial Bank, cargo ocupado por Januário Valentim.
Os três estiveram no Absa Bank, quando o banco era dirigido por Rui Barros, onde temos denúncias — e confirmadas por documentos em nossa posse — de terem aprovado empréstimos duvidosos, sendo que o caso mais notório foi o empréstimo aprovado a favor da Smart MultiService no valor de 530 milhões de meticais, cujo empresário depois desapareceu sem deixar rastos.
Sobre as dívidas fraudulentas no Absa Bank Moçambique envolvendo o actual MD do Standard Bank e os seus companheiros, a TORRE.News contactou a instituição, mas esta manifestou indisponibilidade de prestar qualquer tipo de informação, alegando o princípio de sigilo bancário.
“De acordo com a regulamentação vigente e o dever de sigilo bancário, o Absa Bank Moçambique não está autorizado a fornecer quaisquer detalhes relacionados a clientes”, disse o Absa, em resposta a uma carta de questões enviada pela nossa equipa de redacção.
Ainda assim, a TORRE.News sabe que José Pacheco é cunhado de Rui Barros (este último cidadão português e amigo de Bernardo Aparício) e, por isso, as fontes ligadas à empresa levantam suspeitas de existir conflito de interesses no que tange à escolha de Pacheco para assumir um cargo como Head of Risk.
Aliás, a nomeação de Pacheco resultou da eliminação fraudulenta do processo de uma senhora que estava a concorrer para a posição, justamente porque o MD tinha o objectivo de acomodar o cunhado do amigo.
Do M-Pesa, Aparício trouxe Gulamo Nabi, que era director-geral e, no Standard Bank, foi colocado no cargo de director de informática, mesmo sem aprovação do Banco de Moçambique para desempenhar essa função.
Meses depois, devido à pressão interna no banco, tendo em conta a má reputação de Gulamo Nabi no sistema financeiro, Aparício viu-se obrigado a exonerar o seu amigo e acomodou-o na posição de consultor do banco, num claro esquema de gestão de recursos humanos fora dos critérios recomendados para um sector sensível como a banca.
Na sequência do festival das nomeações por afinidade e pontapeando por completo os princípios de competência técnica e profissionalismo, por exemplo, no ano passado o Standard Bank enfrentou uma falha grave no sistema que permitiu, durante algum tempo, que os clientes levantassem dinheiro sem que o sistema debitasse das suas contas.
Decorrente dessas falhas, que foram de domínio público, a TORRE.News sabe que o Standard Bank somou um prejuízo na ordem de 300 milhões de meticais, valor levantado até por clientes que não tinham saldo nas contas.
Sobre esta ocorrência, um especialista em informática da banca, com mais de 15 anos de experiência, entende que, provavelmente, a falha tenha sido causada por falta de experiência da nova equipa de IT’s.
Aliado a esses tipos de problemas que sacrificam a credibilidade daquela instituição bancária, a TORRE.News sabe que alguns dos grandes clientes já estão a abandonar o banco, entre eles a gigante Vulcan, empresa que adquiriu participações da Vale Moçambique, no sector mineiro em Tete.
"Aparício tem uma agenda pessoal que não beneficia o Banco"
Em termos de má gestão, há indignação e questionamentos nos corredores da instituição, incluindo cartazes colados nas ruas da cidade de Maputo apelando à saída do MD do banco.
Outra fonte de indignação dos funcionários do Standard Bank em volta das decisões do MD tem a ver, por exemplo, com a racionalidade de se aplicar 1,5 milhão de dólares na reabilitação da residência do próprio MD, que se localiza na cidade de Maputo.
Sobre a residência em causa, a TORRE.News sabe igualmente que grande parte do material foi importado da Itália e o concurso para a execução das obras foi adjudicado a uma empresa portuguesa, por recomendação do MD.
Aliás, fontes seguras afiançam que grandes partes dos contratos no Standard Bank são adjudicados a empresas indicadas pelo próprio MD. Por isso, desconfia-se que mesmo a recente reposição do mobiliário da sede tenha sido uma iniciativa do MD, e curiosamente as empresas adjudicadas, na sua maioria, pertencem a cidadãos portugueses.
Nesse rol, a TORRE.News ouviu Lídia de Jesus, uma ex-colaboradora do Standard Bank, que assegurou que nas empresas cujas adjudicações são decididas pelo MD, constam a Vivo, a 5 Star e a Flor Real, empresas geridas por amigos de Bernardo Aparício. Mas este é um assunto ainda sob investigação e que, seguramente, será objecto da próxima reportagem.
Algumas fontes que tinham aceitado gravar entrevista para essa reportagem adiaram na última hora, alegadamente porque os seus advogados aconselharam-nas a não conceder entrevista, uma vez que os seus processos ainda correm os seus trâmites legais.
Sabe-se igualmente que a actual direcção do Standard Bank está numa empreitada de levar à justiça os ex-colaboradores que saíram a público a denunciar as injustiças, porque alegadamente, alguns tinham acordos que pressupunham “silêncio” total sobre os termos dos afastamentos, num caso que envolve despedimentos sem justa causa, maus tratos e racismo.
Do resto, o Standard Bank, em resposta ao pedido de esclarecimentos apresentados pela TORRE.News sobre o assunto, limitou-se a dizer que todas as denúncias apresentadas são infundadas e que não passam de tentativas maliciosas que têm por objectivo difamar a reputação da instituição.
“Qualquer aquisição de bens e serviços pelo banco segue um processo rigoroso de procurement, com vários níveis de verificação e aprovação. As empresas contratadas passam por processos de licitação transparentes e competitivos, sem qualquer interferência do Administrador Delegado ou outros gestores”, disse o banco em alusão à denúncia sobre as adjudicações directas e às empresas de amigos do MD.
Com relação aos levantamentos em ATMs por clientes mesmo sem saldo, o banco reconhece o cenário, mas diz que os montantes arrolados nas denúncias não constam dos registos da empresa.
"O prejuízo mencionado é altamente inflacionado e não corresponde aos registos financeiros da instituição”, desdramatiza o banco.
Contudo, este é um assunto que a TORRE.News continuará a investigar junto de outros actores, nomeadamente os que regulam o funcionamento da banca moçambicana e ao nível do Standard Bank Group.