Acordo secreto entre Ruanda e UE aumenta instabilidade em África

A União Europeia assinou um acordo secreto com o Presidente do Ruanda, conhecido como “Pacto de Minerais com Kigali”, para garantir o fornecimento de minerais essenciais para a sua indústria automóvel eléctrica e de microchips. Este acordo tem alimentado a violência e o contrabando de minerais na RDC, agravando a situação de conflito e deslocamento de milhões de pessoas. Críticos argumentam que o Ruanda serve os interesses europeus em África, incluindo o combate ao terrorismo em Moçambique, onde também se suspeita da exploração de recursos minerais por forças ruandesas.

Agosto 2, 2024 - 10:58
Agosto 2, 2024 - 11:04
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Acordo secreto entre Ruanda e UE aumenta instabilidade em África

A denúncia foi feita recentemente pelo Presidente Félix Tshisekedi, do Congo, cujas forças estão a combater a milícia M23. Segundo Tshisekedi, desde que o acordo foi assinado, os combatentes do M23, ligados ao Ruanda, ampliaram o seu controlo sobre os recursos minerais do leste do Congo. “No final de Abril - justamente quando o Presidente francês Emmanuel Macron implorou ao Ruanda para parar de apoiar o M23 - os rebeldes tomaram Rubaya, um ponto quente de mineração perto da fronteira no leste do Congo”, denunciou Tshisekedi.

Os abundantes recursos minerais e o seu contrabando frequentemente ajudam a financiar grupos armados no leste do Congo, alimentando um ciclo de violência e abusos dos direitos humanos num conflito que, além dos milhões de mortos, deslocou mais de 7 milhões de pessoas.

Um estudo também divulgado recentemente reforça a ideia de que Ruanda representa interesses da Europa em África. “A UE, porque precisa de acesso a minerais, pode ir além dos princípios dos direitos humanos,” disse Emmanuel Umpula Nkumba, director executivo da African Natural Resources Watch. O acordo, produzido em Bruxelas, sede da União Europeia, representa a entrada desenfreada do Ocidente numa corrida com a China pelas riquezas da África Central, sendo uma oportunidade para obter os ingredientes necessários para os seus “objectivos de energia verde e limpa”.

Este instrumento nocivo para o continente é uma cortina de fumo para contrabandear “minerais de sangue”, utilizando o Ruanda para desempenhar um papel decisivo na guerra do outro lado da fronteira com o seu apoio ao grupo rebelde insurgente M23. Em Moçambique, todas as reservas de gás na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, estão concessionadas a empresas europeias, nomeadamente a petroquímica francesa TotalEnergies e a italiana ENI.

Estranhamente, Moçambique enfrenta o terrorismo desde Outubro de 2017, logo após a descoberta do gás de Rovuma. Na busca de uma solução, Moçambique recorreu ao Ruanda para ajudar no combate ao terrorismo. Críticos entendem que o Ruanda foi imposto pelos franceses da TotalEnergies, uma vez que a vinda de uma força francesa levantaria conotações negativas em Moçambique. A partir daí, uma série de eventos agudizaram as suspeitas de que o Ruanda serve como uma capa europeia francesa em Moçambique.

No dia 18 de Junho deste ano, a Bloomberg noticiou que a UE pondera apoiar as forças ruandesas em Moçambique com 40 milhões de euros. “A União Europeia está a considerar fornecer até 40 milhões de euros para apoiar as operações anti-terroristas das Forças de Segurança do Ruanda (RSF) em Moçambique,” cita o órgão.

Na altura, a comissária europeia para as Relações Internacionais, Jutta Urpilainen, avançou à Lusa numa visita a Maputo em Junho que a União Europeia estava a analisar um novo pedido de apoio às Forças Armadas Ruandesas que combatem o terrorismo em Cabo Delgado. "De facto, temos vindo a apoiar financeiramente as forças do Ruanda e recebemos o pedido. Neste momento, está a ser analisado", disse Jutta Urpilainen. Confirmou que, ao abrigo do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, a União Europeia já tinha aprovado em 2023 um apoio de 20 milhões de euros às forças ruandesas em Cabo Delgado, no combate aos grupos terroristas que operam na região.

Em Julho deste ano, numa operação rotulada como “Negócios da Guerra em Cabo Delgado”, uma empresa de segurança apoiada pelo partido no poder do Ruanda foi contratada para proteger o projecto de gás da TotalEnergies em Moçambique, enquanto Kigali continua a expandir a sua actividade comercial no país, com suspeita de explorar minérios abundantes em algumas regiões de Cabo Delgado pelo exército ruandês. Este apoio, de acordo com a crítica, está coberto no acordo secreto “Pacto de Minerais com Kigali”.

Sobre as operações do Ruanda em África, o país é apontado como principal destino para o coltan e outros minerais contrabandeados através da fronteira oriental do Congo. “O Ruanda exporta mais minerais para processamento e fabricação do que extrai”, disse o Departamento de Estado dos EUA, citando dados da ONU. Questionado sobre o acordo, o executivo da UE tentou esclarecer as suas intenções, argumentando que o acordo está alinhado com a sua agenda de direitos humanos ao ajudar a exercer pressão sobre o Ruanda para ter cadeias de abastecimento sustentáveis.

“O acordo não foi selado, em primeiro lugar, para obter acesso a minerais, mas para alavancar mudanças no terreno,” disse um funcionário da UE, citado num estudo recente. A Comissão Europeia já apelidou o Ruanda de “actor importante na extracção mundial de tântalo,” apontando para a sua produção de estanho, tungsténio, ouro e nióbio, mas curiosamente, a base da economia do Ruanda, de acordo com o governo de Kigali, é de serviços.

“Todos sabem que apenas uma fracção, uma proporção indefinida, da exportação do Ruanda vem do próprio Ruanda - e a maior parte vem do Congo,” disse Erik Kennes, investigador sénior do Programa África do Instituto Egmont. Kennes argumenta que o acordo demonstra e formaliza o comércio ilícito.