"Colono" português captura banca moçambicana

Os bancos comerciais que operam no sistema financeiro moçambicano estão sob controlo de um grupo de portugueses, presumivelmente amigos entre si. Este grupo gere os seis maiores bancos com importância sistémica na economia nacional. Com Moçambique na lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira (GAFI), levantam-se questões sobre o impacto deste grupo no desempenho do sistema financeiro do país.

Julho 15, 2024 - 10:58
Julho 16, 2024 - 08:35
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"Colono" português captura banca moçambicana

Denúncias recentes de colaboradores e ex-colaboradores da banca nacional apontam para práticas de discriminação racial e maus-tratos, que favorecem indivíduos de cor branca ou clara em detrimento de cidadãos nacionais e de cor negra.

A TORRE.News apurou, através do secretário-geral do Sindicato Nacional dos Empregados Bancários (SNEB), que esta situação preocupa a organização, que já recebeu várias queixas dos trabalhadores. Contudo, o SNEB recomenda que estas reclamações sejam encaminhadas à Inspecção Geral do Trabalho (IGT).

Os cargos de relevo na banca moçambicana são frequentemente ocupados por cidadãos de nacionalidade portuguesa. Uma ex-colaboradora do Standard Bank denunciou à TORRE.News que esses gestores chamam seus amigos para posições de destaque, mesmo sem as competências técnicas necessárias.

Bancos nacionais à reboque de portugueses

O Standard Bank em Moçambique é dirigido por Bernardo Aparício, um cidadão português nomeado em 2021 para o cargo de Managing Director (MD), em substituição ao nigeriano Adimohanma Chukwuma Nwokocha.

Antes de assumir esta posição, Aparício esteve no ABSA Bank Moçambique, onde supostamente foi denunciado por envolvimento numa mega fraude de milhões, além de outras acusações de gestão danosa e transferência de amigos para o Standard Bank, assunto ainda sob investigação pela TORRE.News.

O Banco Comercial de Investimento (BCI), subsidiária d Caixa Geral de Depósitos (CGD) é um dos maiores bancos comerciais de Moçambique, é gerido por Francisco Costa, também de nacionalidade portuguesa, que ocupa o cargo de Presidente da Comissão Executiva (PCE). 

Sob este PCE pesam acusações de envolvimento em relações extraconjugais com colaboradoras do banco, que são promovidas mesmo sem possuírem as qualificações adequadas, segundo denúncia anónima enviada à TORRE.News.

O Nedbank Moçambique (anteriormente Banco Único) é dirigido por Joel Rodrigues, cidadão português que assumiu a posição de Presidente do Conselho Executivo em 2022. Antes dele, o banco era dirigido por António Correia, também português, nomeado PCE em Março de 2015.

O Millennium bim tem Rui Nelson Moreira de Carvalho Maximino como Presidente Interino da Comissão Executiva, também de nacionalidade portuguesa.

O ABSA Bank Moçambique é gerido por Pedro Carvalho desde 2022, em substituição de Rui Barros, ambos portugueses, com Barros tendo ocupado o cargo desde 2014. O Moza Banco é dirigido por Manuel Soares, outro cidadão português que ocupa o cargo de PCE.

Esta lista dos seis bancos comerciais com importância sistémica em Moçambique questiona a tendência crescente de indicar estrangeiros para posições de gestão de topo com poderes decisórios significativos.

A TORRE.News apurou, através de fontes seguras, que alguns desses bancos, como o Standard Bank e o Millennium bim, criaram pacotes de bonificações e bónus anuais muito mais altos para colaboradores e dirigentes portugueses, enquanto os moçambicanos recebem pacotes baixos sem nenhuma explicação dos critérios usados.

Esta situação, pelo menos no Millennium bim, está a ser arbitrada pelo Inspetor Residente enviado pelo Banco de Moçambique.

Um dado curioso é que parte desses dirigentes portugueses são acusados de usarem vistos de turismo para sair dos seus países de origem e, uma vez em Moçambique, desempenham cargos de relevo, violando o tipo de visto que possuem e a natureza da sua entrada legal no país.

Os Bancos usam figuras políticas como “Lobistas”

Enquanto a direcção de topo dos bancos, com poder decisório, é assumida por portugueses, os mesmos bancos colocam moçambicanos, preferencialmente figuras de influência política, como Presidentes de Conselho de Administração (PCA's). Estas posições, na prática, não possuem poder para a tomada de grandes decisões.

Os portugueses, na sua maioria Managing Directors (MD's) ou Presidentes da Comissão Executiva (PCE's), detêm o poder de tomar as principais decisões ao nível dessas instituições da banca comercial.

A prova disso é que a TORRE.News apurou, através de correspondências de e-mails, que a PCA do Standard Bank, por exemplo, anuíu ao pagamento de uma quantia de indemnização a uma ex-colaboradora daquele banco, que reclama indemnização por danos morais causados pela empresa, além do tempo de trabalho.

Contudo, apesar da anuência da PCA, o pagamento não ocorreu porque o MD do banco, Bernardo Aparício, cidadão português, não considerou relevante a decisão da PCA.

Neste mesmo banco, foi indicada Esselina Macome como Presidente do Conselho de Administração (PCA). O BCI nomeou Carlos Agostinho do Rosário, ex-Primeiro-Ministro de Moçambique, como PCA.

Para o cargo de Presidente do Conselho de Administração, o ABSA Bank Moçambique indicou Luísa Diogo, uma figura política que também desempenhou o cargo de Primeira-Ministra de Moçambique até ao fim do seu mandato em 2010.

Sobre este fenómeno, o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, afirmou em 2017 que os bancos levam políticos moçambicanos como PCA's, mas que na verdade são lobistas que usam a sua influência para dinamizar negócios.

O Problema está na fraca fiscalização

Do ponto de vista jurídico, o advogado Victor da Fonseca explicou à TORRE.News que esta situação constitui uma violação dos direitos humanos, especificamente no tocante ao direito ao trabalho, uma situação que ele entende estar próxima de uma colonização neocapitalista.

“Nós, neste momento e na qualidade de moçambicanos, estamos a ser escravizados financeiramente pelo colono de ontem e, isso tudo, quem deixa acontecer é o nosso governo”, afirmou Fonseca.

Ele acrescenta que o problema começa quando o governo não é capaz de fiscalizar as normas laborais, permitindo que estrangeiros entrem no país e comecem a trabalhar na banca comercial sem a devida supervisão.

Fonseca acredita que, do ponto de vista das competências técnicas, há mais moçambicanos qualificados do que alguns portugueses que, beneficiando de relações amigáveis, assumem posições de prestígio.

Esta escolha preferencial por portugueses em detrimento de moçambicanos de raça negra viola o princípio da igualdade e da universalidade previsto no Artigo 35 da Constituição da República de Moçambique.

Paradoxalmente, enquanto os portugueses se afirmam em Moçambique, os moçambicanos que buscam oportunidades de trabalho em Portugal, mesmo com formação superior, são frequentemente submetidos a trabalhos precários e a viverem em condições deploráveis.

Isto pode estar a ocorrer porque, de acordo com um vídeo feito por um português e posto a circular nas redes sociais, os portugueses não estão satisfeitos com o fluxo de moçambicanos para as terras lusas e pedem que regressem aos seus países de origem.

"Voltem para os vossos países, voltem para as vossas famílias, para as vossas mulheres e invistam nos vossos países, porque Portugal é dos portugueses", disse um português num vídeo publicado na rede social.

É um colonialismo ainda presente em Moçambique

Sob o ponto de vista social, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos entende que a questão do colonialismo português em Moçambique é um fenómeno que ainda persiste e cujos impactos se fazem sentir no presente, apesar de serem os próprios moçambicanos que estão no poder político.

Ele observa que as figuras actuais no poder tendem a consultar o antigo colono português sobre decisões de governo. Para compreender este processo de colonialismo que ainda persiste em Moçambique, o sociólogo cita o rapper moçambicano Azagaia.

“Para compreender este fenómeno é preciso buscar o Azagaia, é preciso ouvir 'Cães de Raça' do Azagaia. Daí, você percebe que o que acabou em Moçambique é um colonialismo histórico”, sublinha Boaventura de Sousa Santos.

Acrescenta que, internamente, continua a haver muita exploração de tipo colonial dentro de Moçambique, como também acontece em Angola.

Actualmente, a preferência pelos portugueses na gestão da banca em Moçambique passa despercebida tanto pelo governo como pelo regulador dos bancos comerciais, o Banco de Moçambique.

No entanto, é consensual que a presença portuguesa em posições de topo, o que lhes confere melhores condições de vida em desfavor dos nacionais, é questionada e censurada tanto nos corredores dos próprios bancos como ao nível da sociedade em geral.