Máfia das bebidas contrafeitas: Um império milionário protegido pela corrupção

Segundo a Associação dos Produtores e Importadores de Bebidas Alcoólicas (APIBA) cerca de 80% a 90% das garrafas de bebidas espirituosas de marcas populares, como o Gordon’s, que circulam em Moçambique são falsificadas e comercializadas a preços significativamente mais baixos do que as bebidas originais. Esta realidade sustenta um negócio milionário, alimentado por redes de corrupção que começam nas fronteiras e se estendem até aos mercados urbanos, sob o olhar conivente de diversas autoridades responsáveis pela fiscalização.

Fevereiro 11, 2025 - 12:07
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Máfia das bebidas contrafeitas: Um império milionário protegido pela corrupção

O fenómeno é tão alarmante que a Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE) desistiu de inspeccionar o selo das bebidas alcoólicas, tarefa que, pela lei, lhe caberia. Ana Rita Freitas, Directora da INAE, reconhece que a instituição se limitava a apreender as bebidas sem selo e a comunicar o problema à Autoridade Tributária (AT). “Com todo respeito, há muita bandidagem nessa área. Comecei a notar que a minha equipa estava a dar prioridade a essa inspecção porque faziam dinheiro. A bebida apreendida era roubada e vendida”, afirmou Freitas, acrescentando que, mesmo quando a mercadoria era entregue à AT, esta não era devidamente contabilizada, alimentando o mercado de produtos adulterados.

A Directora da INAE lamenta a falta de clareza institucional para o combate ao contrabando, lembrando que as responsabilidades inspeccionais sobre o selo das bebidas deveriam ter sido formalmente transferidas da AT para a sua entidade. “Eles ficaram de dar esta competência à INAE, mas nunca deram.” Neste momento, a lacuna nos procedimentos de fiscalização permite o florescimento de redes criminosas que movimentam quantias avultadas, envolvendo, supostamente, funcionários alfandegários, inspectores e distribuidores.

O contrabando e a contrafacção são processos alimentados, em parte, pela inércia das autoridades na fronteira, que deixam entrar no país toneladas de garrafas suspeitas. A própria Ana Rita Freitas admite a incapacidade de distinguir bebidas genuínas das falsificadas, ressaltando que a INAE não dispõe de formação nem de equipamento para efectuar testes laboratoriais. “Infelizmente, a INAE não consegue provar se um gin ou whisky é, ou não contrafeito”, confessou, enfatizando a urgência de colaborações técnicas com parceiros que possam fornecer conhecimento especializado.

O resultado é um mercado saturado por bebidas de qualidade duvidosa, oferecidas a preços extremamente acessíveis. Num circuito onde o verdadeiro Gordon’s Gin chegaria ao consumidor a um valor superior ao praticado no país de origem, Moçambique assiste a situações paradoxais, em que o produto falsificado custa apenas 400 meticais e se vende com facilidade em mercados populares, como o Estrela Vermelha, e em diversos bottle stores de Maputo. “Acredito que é a bebida que alimenta o mercado Estrela Vermelha e alguns bottle stores”, reafirma Freitas sobre o destino do álcool apreendido.

Além dos riscos para a saúde pública, este comércio ilícito compromete as receitas fiscais do país. Analistas defendem que as autoridades não podem continuar a fechar os olhos a uma criminalidade que envolve múltiplas instâncias, desde as alfândegas até aos serviços de inspecção. A rede, estimam, movimenta milhões de dólares e é sustentada pela protecção de actores influentes que se beneficiam dos lucros.

Entidades como a APIBA alertam para a necessidade de campanhas de sensibilização, reforço da legislação e capacitação dos inspectores e técnicos das instituições estatais. Enquanto isso não acontece, os consumidores continuam expostos a produtos cuja composição exacta se desconhece, representando um risco elevado para a saúde. O quadro descrito por Rita Freitas e outros intervenientes evidencia um mercado desregrado, onde o dinheiro fala mais alto e o Estado permanece incapaz de travar uma das maiores cadeias criminosas ligadas ao sector das bebidas em Moçambique.