Peculato e branqueamento de capitais podem “tramar' arguidos das dívidas ocultas
Os factos imputados hoje aos réus do caso “Dívidas Ocultas” primeiro dia da leitura da sentença pela 6ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, indicam a ocorrência dos crimes mais temidos pelos arguidos, nomeadamente, peculato, branqueamento de capitais e associação para delinquir, cujas molduras penais são mais pesadas e variam de oito a 16 anos de prisão.
O núcleo duro dos presumíveis autores morais e matérias do sofisticado esquema das dívidas ocultas é composto pelos antigos quadros da SISE, co-réus António Carlos do Rosário, Gregório Leão e Cipriano Mutota, filho do antigo estadista, Armando Guebuza, Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa, Ângela Leão, Renato Matusse e Inês Pereira, arguidos que, seus advogados durante a audição e discussão em julgamento tentaram fazer cair os crimes referidos.
A interpretação ficou patente hoje, na leitura do veredicto final na voz do Juiz da causa, Ifigénio Baptista, que iniciou com uma resenha sobre a acusação provisória, acusação definitiva e o despacho de pronúncia sobre o caso, formalidades previstas na lei de 1929 de processo querela 18/2019c que o tribunal decidiu seguir desde o início do julgamento a 23 de Agosto de 2021.
O primeiro co-arguido que ouviu a imputação dos factos que pesam sobre si, foi Ndambi Guebuza, que na presença do seu pai, o antigo estadista moçambicano, Armando Guebuza, ouviu o tribunal a confirmar a acusação de que junto de outros co-réus terá desenhado o plano que culminou com o maior escândalo financeiro do país, na ordem de 2,2 bilhões de dólares.
De acordo com o tribunal, Ndambi Guebuza, António Carlos do Rosário, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa e Gregório Leão e Cipriano Mutota, em datas separadas, os réus em coordenação e comunhão com Jean Boustani, quadro sénior da Privinvest, empresa envolvida no escândalo, formaram um grupo para se apoderarem de parte dos fundos pertencentes ao Estado moçambicano destinados a implementação do projecto da protecção costeira.
Os factos são aparentes na troca de correspondência por correio electrónico, entre Jean Boustani e Teófilo Nhangumele, na qual, este último coloca as condições exigidas pelo co-arguido Ndambi Guebuza ao grupo Privinvest para fazer chegar ao seu pai a proposta do projecto da protecção costeira e outras exigências para “massajar o sistema” através de subornos, assegurando dessa forma a materialização do projecto.
Após a concertação, segundo o tribunal, foram pagos subornos na ordem de 50 milhões de dólares divididos entre os co-réus Ndambi Guebuza, 33 milhões de dólares, Nhangumele (8,5 milhões) e Bruno Langa (8,5 milhões) que por seu turno repartiram com outros comparsas no esquema.
Ouvido pela AIM, Isálcio Mahajane, mandatário judicial dos co-arguidos, Ndambi Guebuza e António Carlos do Rosário, referiu que está tranquilo quanto a sentença porque não ficou provado em sede do tribunal o envolvimento dos seus constituintes no escândalo das dívidas ocultas.
Mahajane mais uma disse que se trata de uma alegada perseguição política a família Guebuza porque, no seu entender, em nenhum momento o filho do antigo estadista participou do aludido plano ou concertação do grupo para defraudar o Estado moçambicano.
“Como temos vindo a dizer, este julgamento tem um cunho político. Está provado que Ndambi nunca participou em nenhum projecto de protecção costeira de Moçambique. Por isso, os crimes que vai acusado não deveriam ser. Estamos tranquilos, mas também preocupados pela forma todo julgamento ocorreu”, disse.
Por sua vez, Abdul Gani, advogado do réu Gregório Leão, preferiu reservar comentários para o último dia da leitura da sentença, que pode durar entre quatro a cinco dias, devido ao enorme volume do processo, 1.388 páginas, elaboradas em três meses, resultantes de mais de 30 mil páginas do processo 18/2019c.
No entanto Gani assume que sempre tentou provar ao tribunal que o seu constituinte não participou dos crimes de que foi pronunciado, sobretudo o de associação para delinquir e branqueamento de capitais, reconhecendo que uma eventual condenação na base desses crimes seria doloroso.
“Já falei muito sobre estes crimes e é público que tentamos fazer cair porque não faziam sentido. No entanto, prefiro guardar meus pronunciamentos para o último dia da sentença”, disse.
Os réus, que se encontram detidos há três anos e oito meses, finalmente conhecerão o veredicto final sobre um caso que se arrasta há mais de cinco anos.