Risco de cancelamento: Falta de fundos pode ditar fim do projecto GNL em Moçambique
A TotalEnergies arrisca perder o maior investimento privado de África – um projecto de 20 mil milhões de dólares em Gás Natural Liquefeito (GNL) em Moçambique – se não conseguir assegurar o financiamento prometido. Enquanto o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos (EXIM) deverá aprovar o seu pacote “numa questão de semanas”, o UK Export Finance considera recuar, reflectindo a política do governo britânico contra projectos de combustíveis fósseis. Segundo especialistas da African Business, esta combinação de hesitações financeiras, reticências políticas e competição global no mercado de GNL cria um cenário no qual o projecto pode ver-se adiado para além de 2030 ou mesmo cancelado, afectando de forma determinante a estratégia de recuperação económica moçambicana.

A viabilidade do projecto encontra-se em risco devido à incerteza quanto à reafirmação dos compromissos financeiros de algumas das principais agências de crédito à exportação. Segundo especialistas da African Business, enquanto a TotalEnergies espera que o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos (EXIM) reaprovará o seu financiamento nas próximas semanas, o UK Export Finance (UKEF) está a considerar retirar o seu compromisso de 1,15 mil milhões de dólares, alinhando-se à política do governo britânico de restringir financiamentos a projectos de combustíveis fósseis. Esta mudança, se concretizada, poderá desencadear uma crise de confiança entre outros credores e resultar em novos atrasos.
O projecto de GNL foi inicialmente aprovado em 2019, com um complexo financiamento que envolveu oito agências de crédito à exportação, 19 instituições financeiras comerciais e o Banco Africano de Desenvolvimento. Além da TotalEnergies, fazem parte do consórcio a japonesa Mitsui, a estatal moçambicana ENH e várias empresas indianas e tailandesas. Contudo, em 2021, a petrolífera francesa declarou força maior e suspendeu as obras devido à insurgência islâmica em Cabo Delgado. Desde então, a empresa tem vindo a adiar a retoma, argumentando que depende da estabilidade da região e da confirmação dos financiamentos internacionais.
No entanto, analistas alertam que os desafios do projecto vão além da segurança e do financiamento. De acordo com African Business, a TotalEnergies pode estar a "ganhar tempo" ao condicionar a retoma do projecto à reaprovação dos financiamentos, enquanto avalia o impacto da crescente oferta global de GNL. Com os EUA e o Qatar a expandirem significativamente as suas capacidades de exportação nos próximos anos, a concorrência poderá reduzir as margens de rentabilidade do projecto moçambicano.
Patrick Pouyanné, CEO da TotalEnergies, garantiu recentemente que está “pronto para exercer todos os direitos contratuais” se algum dos financiadores recuar. Contudo, especialistas como Pranav Joshi, da consultora Rystad Energy, alertam que a hesitação dos credores pode levar a uma maior dependência de bancos asiáticos e outros investidores para cobrir eventuais lacunas no financiamento. Além disso, qualquer atraso adicional poderá elevar os custos de construção, já significativamente impactados pela inflação global desde 2019.
Inicialmente, a TotalEnergies planeava iniciar a produção de GNL em Moçambique em 2024, mas a previsão actual aponta para 2030 – um horizonte que pode ser novamente adiado caso surjam novos contratempos financeiros ou operacionais. Segundo Joshi, “qualquer atraso devido a questões de segurança, falta de financiamento ou negociações contratuais prolongadas resultará numa extensão ainda maior dos prazos”.
O impacto da incerteza do projecto vai além das dificuldades da TotalEnergies. Para Moçambique, a exportação de GNL era vista como um motor de crescimento capaz de estabilizar as finanças públicas e impulsionar a recuperação da devastada província de Cabo Delgado. A economista Anna Westwell, da consultora JS Held, afirma que "a falta de receitas do GNL agrava a crise da dívida do país, limitando a capacidade do novo governo de Daniel Chapo de financiar a reconstrução da região afectada pelo conflito".
Enquanto isso, a TotalEnergies continua a analisar os riscos e os benefícios de retomar o projecto, sabendo que um fracasso na obtenção do financiamento pode forçá-la a reconsiderar toda a sua presença no sector energético moçambicano. Caso as hesitações dos credores persistam e os desafios operacionais se intensifiquem, o cancelamento do projecto poderá deixar Moçambique sem o que seria a maior oportunidade de transformação económica da sua história recente.