Ruanda considerado o país mais seguro de África sob a sombra de alegações de exploração
A Numbeo, uma das principais plataformas de dados e investigação do mundo, indicou Ruanda como o país mais seguro de África. Esta é a segunda vez consecutiva em 2024 que Ruanda obtém este reconhecimento, com a Tunísia e o Gana completando o top 3.
No entanto, este reconhecimento ocorre num contexto paradoxal, pois Ruanda está fortemente ligado ao financiamento do grupo M23, que desestabiliza o leste da República Democrática do Congo (RDC), e à ingerência em assuntos políticos do Uganda e Burundi.
A RDC e Ruanda têm um histórico de conflitos que se intensificam na região fronteiriça rica em minérios cobiçados pelas indústrias tecnológicas.
O Kivu Norte, região congolesa na fronteira com Ruanda e Uganda, possui mais de 60% das reservas mundiais de coltan, um minério essencial à fabricação de smartphones e computadores. Supõe-se que Paul Kagame, presidente de Ruanda, esteja interessado em explorar estes recursos através da guerra.
Além das suspeitas sobre a exploração de recursos na RDC, há relatos de que Ruanda pode estar interessada em explorar ilegalmente minérios moçambicanos na província de Cabo Delgado, onde Kagame destacou um exército numeroso para combater o terrorismo.
Calton Cadeado, especialista moçambicano em relações internacionais, afirmou à Torre.News que a aparente segurança de Ruanda está ligada à excessiva militarização do país e à forte presença dos serviços de inteligência, que exploram o factor medo para controlar a população.
Segundo Cadeado, Kagame beneficia da reputação de "ditador benevolente", equilibrando traços de democracia e ditadura que lhe conferem poder para perseguir qualquer ameaça à segurança e estabilidade de Ruanda.
Cadeado também critica a indicação de Ruanda como o país mais seguro, argumentando que não considera outras dimensões de segurança, como a criminalidade sofisticada e os crimes cibernéticos, que são ameaças significativas nos dias de hoje.
O conflito na região dos Grandes Lagos, envolvendo a RDC, Ruanda e Uganda, é antigo e resultou na criação de várias milícias. O Movimento 23 de Março (M23) surgiu em 2012, ocupando a principal cidade da província do Kivu Norte, Goma.
A pressão internacional forçou Ruanda a deixar de financiar o grupo, e a vitória militar dos congoleses, apoiados por forças da ONU, levou à assinatura de uma trégua em 2013.
Contudo, o M23 ressurgiu em 2021, causando mais mortes e destruição no Congo. Estudos indicam que Uganda e Ruanda, sob a liderança de Kagame, estão a apoiar o M23 com armas e munições.
A região dos Grandes Lagos é economicamente emergente, composta por 12 estados membros da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos e da África do Sul, com uma população total de 370 milhões de pessoas e um PIB agregado de mais de 1 trilhão de dólares.
A região representa um mercado de consumo, comércio e investimento atraente, oportunidades que Ruanda tenta explorar desestabilizando outros países, segundo analistas.
Ruanda tem-se destacado pelo seu desenvolvimento nos últimos 20 anos, após o genocídio de 1994 entre Hutus e Tutsis.
Desde então, o país experimentou um crescimento económico acelerado, com um aumento médio de 8,9% ao ano desde 2017, e aspira alcançar o status de renda alta até 2050. Este crescimento económico tornou Ruanda um destino atraente para investimentos estrangeiros.
Militarmente, Ruanda tem-se mostrado influente, com capacidade para interferir em assuntos de outros países, como Moçambique, onde tem combatido jihadistas desde finais de 2021.
Este poder militar contribui para a sua reputação de segurança, mas também para a sua influência desestabilizadora na região dos Grandes Lagos.